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O Controle de Convencionalidade pelo Delegado de PolĂ­cia diante da CADH

O Tribunal de Justiça do Acre[1] utilizou o artigo[2] publicado em revista virtual da lavra do Exmo. Sr. Delegado de Polícia Civil/RS Fabrício de Santis, como fundamento sobre as funções judiciais do cargo de delegado de polícia como garantidor de direitos fundamentais.

 

O título da matéria veiculada no portal www.delegados.com.br pode intuir ao público em geral que o artigo foi utilizado para prisão, mas na verdade os fundamentos era para rebater tese defensiva de incompatibilidade do art. 310 do Código de Processo Penal, com o art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica)[3].

 

Dentre os fundamentos de validade[4] sobre normas e funções jurídicas (e não jurisdicionais) do delegado de polícia, citou então o excelente artigo científico, mencionando o papel do delegado de polícia em importante função de garantidor dos direitos humanos fundamentais, ao dar eficácia prática, no ordenamento jurídico, aos tratados internacionais sobre direitos humanos.

 

Apesar da parte dispositiva do acórdão se refer a manutenção de prisões de 44 réus, acusados de serem membros do crime organizado (PCC de São Paulo), os fundamentos utilizados do artigo não se referiam à retórica do aprisionamento, mas sim à liberdade.

 

O Tribunal de Justiça deu um passo muito mais à frente das migalhas hermêuticas que os Tribunais em geral têm feito com relação aos tratados e convenções sobre direitos humanos.

 

Em apertada síntese, o Pacto de San Jose da Costa Rica passou por uma análise histórica em 03 de dezembro 2008 pelo Pleno do STF, na qual julgou em sede do HC 87.585-TO e RE 466.343-SP, que a referida norma internacional, por ter sido ratificada antes da Emenda Constitucional 45/04 e ter adotado o rito legislativo de lei ordinária (contrário ao art. 5º,§3º da CR) possui status de norma supra legal.

 

Insta salientar, que o plenário não foi unânime. 5 Ministros acompanharam a tese do Min. Gilmar Mendes, que sustentava o valor supralegal dos tratados sobre direitos humanos ratificados antes da EC45/04 e 4 Ministros, acompanhando a tese do Min. Celso de Mello, que lhes atribuía status de emenda constitucional, na forma do art. 5º,§2º da CR.

 

Diante deste quadro constitucional e o novo status dos tratados sobre direitos humanos (antes de 2008 o STF entendia que a CADH tinha status de lei ordinária) surge um novo paradigma a respeito da hierarquia das leis e a constituição, que distinguem-se das apresentadas pela pirâmide de Kelsen[5], nas quais utilizávamos até essa nova realidade (no Brasil).

 

Surge a necessidade de incluir, na pirâmide, os tratados e convenções sobre direitos humanos, entre a Constituição e as leis. Em outras palavras, esses tratados estão acima (supralegal) das leis federais, e portanto, acima do Código de Processo Penal.

 

Aos que nunca refletiram sobre a possibilidade do delegado de polícia realizar contenção de poder punitivo, afastando aplicabilidade de normas inconstitucionais, apesar podemos afirmar que isso já é feito na prática, mas a doutrina, ou não deu conta ou não se interessa em produzir conhecimento à respeito, afirmamos tal filtragem plenamente possível, mas que aqui não iremos nos aprofundar, limitando-se a dizer que, se a constituição definiu controle de constitucionalidade ao judiciário (repito: não é função exclusiva, mas privativa), a quem essa mesma constituição definiu controlar a efetividade das normas supralegais quando em conflito com leis inferiores a elas?

 

Respondemos: Não há nenhum óbice em se realizar esse controle, na qual é denominado de controle de convencionalidade[6], pelo Delegado de Polícia ou qualquer outra função jurídica na qual emane poderes decisórios, que significa simplesmente aplicar os tratados e convenções de direitos humanos naquilo em que as leis federais sejam incompatíveis com eles.

 

Esse mister deve ser, e somente pode (deve) o Delegado de Polícia, na fase da investigação preliminar, pois é unânime entre aqueles doutrinadores contemporâneos que não se contentam com análises superficiais sobre as funções exercidas pelo delegado de polícia como garantidor de direitos humanos fundamentais, de que a investigação preliminar não são meros amontoados de informações, mas exerce primordialmente uma função garantidora de filtro contra imputações assodadas, precipitadas, eleitoreiras, irresponsáveis, que possam enterrar a sete palmos atributos inerentes à personalidade. Senão vejamos os ensinamentos do Prof. Luiz Flávio Gomes[7]:

 

“Assim, a investigação preliminar cumpre a “função de filtro processual contra acusações infundadas”, embora a sua própria existência já “configure um atentado ao chamado status dignitatis do investigado” , e daí decorrem duas conclusões: a primeira é que a investigação prévia através do inquérito policial é uma garantia constitucional do cidadão em face da intervenção do Estado na sua esfera privada, porque ela atua como salvaguarda do jus libertatis e do status dignitatis; a segunda é que a investigação prévia não é somente fase anterior do processo penal, porque mesmo quando não há processo a investigação terá cumprido um papel na ordem jurídica.”

 

O Delegado de Polícia é o primeiro jurista a ter acesso ao fato criminoso, ou seja, é o primeiro receptor do caso concreto, tendo a atribuição de analisar juridicamente os fatos ocorridos e promover eficiente Investigação Criminal. Precisa agir com atenção e cautela diante da iminência de suas atribuições com o direito fundamental de liberdade da pessoa humana, tendo sido esta a razão da promulgação da lei 12.830/13, na qual o Delegado de Polícia figura como cargo de natureza jurídica e essencial ao Estado Democrático de Direito.[8]

 

O Tribunal de Justiça do Acre, na ocasião deste julgamento disse, em outras palavras, que em razão do art. 7.5 do Pacto de San Jose da Costa Rica, ao dispor que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”

 

Ou seja, o Delegado de Polícia exerce função jurisdicional ao analisar liberdade provisória, concedendo ou não fiança ou efetivando sua prisão-cárcere. Em outras palavras, o Tratado quer que a pessoa tenha “pressa“ em ter analisada a sua situação jurídica de desvantagem quando “vítima” do poder punitivo, sendo plenamente convencional e constitucional gabaritar juridicamente outro órgão que tenha estrutura para a análise da prisão e liberdade ainda em fase de investigação criminal, principalmente porque nosso Código de Processo Penal, em seu artigo 282,§2º veda expressamente a atuação do juiz em fase de investigação criminal, podendo exercer sua função nesta fase como um segundo garantidor dos direitos fundamentais e analisar a juridicidade da prisão-captura-cárcere em flagrante e convertê-la em prisão preventiva, desde que devidamente representada pelo delegado de polícia ou promotor.

 

Assim, o Delegado de Polícia deve no exercício de sua função garantidora dos tratados e convenções sobre direitos humanos realizar o controle de convencionalidade e efetivar concretamente as garantias fundamentais nele trazidas a todos que forem alvos da persecução criminal, efetivando-se o máximo nível possível garantias não realizadas pelo legislador ordinádio, em especial o CP e o CPP.

 

 

[1] Disponível em, <http://delegados.com.br/images/21mai14-acordao-hc-tjac-fabricio-santis-fianca-judicial.pdf>, acesso em 21/05/2014

 

[2] Disponível em, <http://delegados.com.br/component/k2/desembargadores-criam-jurisprudencia-com-base-em-artigo-de-delegado-e-mantem-prisao-de-44-reus-do-pccreus-do-pcc>, acesso em 21/05/2014.

 

[3] A Convenção é de 1969, tendo sido ratificado formalmente no Brasil pelo Dec. 678/92

 

[4] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Controle de Convencionalidade das Leis. Disponível em <http://www.lfg.com.br. 06 de abril de 2009>, acesso em 12/05/2014. Segundo este renomado autor, pioneiro na tese sobre o controle de convencionalidade, “Apenas havendo compatibilidade vertical material com ambas as normas – a Constituição e os tratados – é que a norma infraconstitucional em questão será vigente e válida (e, consequentemente, eficaz).

 

[5] GOMES, Luiz Flávio. Controle de Convencionalidade: STF Revolucionou Nossa Pirâmide Jurídica , disponível em  <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1242742038174218181901.pdf>, acesso em 21/05/2014

 

[6] ______________ MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro Revista Informação Legislativa. Brasília a. 46 n. 181 jan./mar. 2009, p.113 a 137

 

[7] GOMES, Luiz Flávio e SCLIAR, Fábio. Investigação preliminar, polícia judiciária e autonomia – Luiz Flávio Gomes e Fábio Scliar. Disponível em <http://www.lfg.com.br> 21 outubro. 2008. <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081020154145672&mode=print>, acesso em 21/05/2014

 

[8] Art. 2º da Lei 12.830/13. “As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.”

 

 

 

Fonte: Atualidades do Direito