Operação Ponto Final: Acertando o Relógio de Ponto da Saúde Pública
(Publicado originalmente no Jornal De Fato, Coluna Retratos do Oeste)
A Motivação
O trabalho de investigação policial no Rio Grande do Norte hodiernamente se legítima pelo esforço de homens e mulheres em prestar um serviço de qualidade. Essa realidade vivenciada por personagens reais da polícia judiciária vem sendo comprovada através dos avanços em alcançar resultados mesmo com baixo efetivo, falta de material de trabalho de diversos tipos, chegando até à remuneração.
O desejo de servir tem levado agentes encarregados de aplicar a lei a manterem ações de combate ao crime como a evidenciada na manhã do dia 27 de setembro de 2013.
Nessa data foi deflagrada a fase final da OPERAÇÃO PONTO FINAL cuja finalidade nessa etapa foi o cumprimento de mandados de busca e apreensão requeridos pelas Polícia Civil que objetivam a apuração de denúncias de abusos decorrentes do pagamento de plantões a servidores do Hospital Regional Tarcísio Maia – HRTM que não trabalharam efetivamente.
A operação foi assim denominada porque o esquema criminoso encontrado nas investigações que deflagraram a ação dos policiais envolve a falsificação de folhas de ponto para gerar pagamento de servidores que não tenham trabalhado conforme as escalas que são enviadas à SESAP, Secretaria de Estado de Saúde Pública, mensalmente. O conhecimento de tais práticas motivou a PCRN a dar um “ponto final” nesse relógio de ponto de ilegalidades que somente beneficiam apaniguados políticos, parentes e amigos das pessoas com poder para realizar essas falsificações.
A investigação foi ensejada, de forma um tanto receosa, após o Retrato do Oeste, em maio de 2013, mostrar o escândalo do pagamento de plantões ‘eventuais’ à servidora Ruth Alaíde da Escóssia Ciarlini (foto), que é irmã da atual governadora do Estado do RN, Rosalba Ciarlini, que segundo informes nunca chegou a trabalhar de fato no cumprimento da jornada relatada de trabalho que era encaminhada à SESAP para a consubstanciação do pagamento.
A descoberta deixou os servidores que trabalham do HRTM revoltados.
Ao tomar conhecimento dos absurdos, o secretário estadual de saúde, médico Luiz Roberto Fonseca, determinou apuração dos fatos.
Considerando até mesmo as limitações estruturais das Delegacias envolvidas na Investigação, as apurações seguiram o mínimo necessário para a coleta de dados suficientes à sua deflagração, ou seja, coleta de depoimentos e de uma farta evidência documental que demonstra, inequivocamente, a dinâmica das fraudes e seus mais notórios beneficiários.
Os indícios de irregularidade foram reconhecidos pelo próprio Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte – TCE/RN, que na data de 19 de setembro de 2013, determinou a realização de “inspeção especial na Secretaria de Estado de Saúde Pública – SESAP”, de tal forma a investigação direcionada ao HRTM apresenta uma ilicitude que pode ser objeto de prática regular no âmbito de todo o quadro de servidores da Saúde do Estado Potiguar.
A Investigação
As investigações foram desenvolvidas por três delegacias distintas, duas Delegacias Distritais de Mossoró, a 1ª e 2ª DP, juntamente com a Delegacia Especializada em Falsificações e Defraudações – DEFD, relativas ao Inquérito Policial n. 51/2013 – DEFD.
Esse trabalho em conjunto foi motivado considerando até mesmo as limitações estruturais das Delegacias envolvidas na Investigação. Além disso as apurações seguiram o mínimo necessário para a coleta de dados suficientes à sua deflagração que são as coletas de depoimentos e de evidências documentais muito fartas, demonstrando, inequivocamente, a dinâmica das fraudes e seus mais notórios beneficiários.
Outros fatores que determinaram o modus operandi da Polícia Civil foram:
- Institucionalização e despersonalização dos envolvidos, de modo a dificultar eventuais retaliações;
- A especialidade dos crimes, que demandou a participação da DEFD;
- O grau de complexidade e a necessidade de um número maior de investigadores para dividir tarefas, de modo a obter maior celeridade, sem prejuízo da eficiência nas apurações.
A tipificação final de todos os envolvidos só será devidamente comprovada no relatório do inquérito policial. Por enquanto, os envolvidos podem ter praticado os crimes de falsidade ideológica, estelionato qualificado contra ente público, formação de quadrilha, ou até mesmo peculato, e a suspeição recai sobre todo e qualquer servidor que receberam sem fazer jus por plantões eventuais.
Os responsáveis pela falsificação das escalas de plantão enviadas para a SESAP, que incluem nomes de profissionais em plantões que nunca trabalharam, também se mostram como potenciais suspeitos, restando saber qual o grau de conluio existente entre tais indivíduos.
Caso seja confirmado, o prejuízo causado ao erário, que já fora estimado pelo próprio TCE como sendo em torno R$ 32.688.453,85 com a concessão de adicional de insalubridade conforme pode ser lido no PROCESSO Nº 007148/2013 – TC (PLENO) onde o Conselheiro Carlos Thompson solicita inspeção especial em pagamentos de plantões e adicionais de insalubridades na saúde.
A corrupção pode estar tão arraigada que há inclusive um índice de suspeição grande de que a Secretaria de Saúde estaria fazendo pagamentos de adicional de insalubridade até para servidores que estão cedidos a outros órgãos e diversos municípios do Estado do Rio Grande do Norte, como consta no relatório do Conselheiro Carlos Thompson, que contrariando o dispositivo legal disposto na Lei Complementar Estadual nº 333/2006, em seu artigo 26, §2º, que diz o seguinte:
Art. 26. Os servidores do Grupo Ocupacional Saúde Pública podem ser cedidos para outro órgão ou instituição do Sistema Único de Saúde, em qualquer esfera de governo, nas seguintes hipóteses:
§ 2° O servidor cedido nos termos deste artigo, com ônus da remuneração para o órgão cedente, somente percebe o vencimento básico do seu cargo e as vantagens pessoais.
Ainda, consta nos autos a notícia de possíveis pagamentos indevidos de plantões eventuais concedidos a servidores em setores como as Farmácias Populares, APAMI Mossoró, APAMI São José de Mipibu, Setor de radiologia, centro cirúrgico, alojamento conjunto e centro obstétrico do Hospital Regional Alfredo Mesquita Filho.
A título de exemplo do valor desviado dos cofres públicos, no mês de maio/2012 a SESAP gastou R$ 4.256.745,40 com o pagamento dos referidos plantões eventuais, cujo principal objetivo seria prover um ganho extra para servidores em funções de chefias, coordenadorias sem gratificações ou ainda com gratificações pequenas.
Poderá ser implicado em futuras ações de improbidade administrativa e também consubstanciar a prática de crimes previstos no Código Penal Brasileiro aos protagonistas e beneficiários do esquema fraudulento. Antecipando tal situação, a PCRN já iniciou a apuração preliminar necessária para auxiliar o Ministério Público Estadual a apresentar a denúncia crime contra todos os envolvidos.
O Ineditismo
Crimes contra a Administração Pública praticados por gestores comissionados, parentes de políticos, amigos próximos, sempre visando beneficiar um ciclo de amizades em detrimento dos princípios mais basilares da Administração, demonstram como a banalização gerada pela corrupção e pela impunidade se tornou costumeira no Rio Grande do Norte.
Crimes do “colarinho branco” não são comuns de serem investigados pela Polícia Civil do RN que sofre com baixos investimentos. Sobre tais crimes, Edwin Sutherland já na década de 50 atribuía as seguintes características que dificultam sua investigação:
- Pouca perceptividade do cometimento, pois são praticados em salas fechadas e são complexos e difíceis de serem descobertos;
- Baixo número delações ou denúncias provocado por medo de represálias, perseguições, perda de empregos, e ainda a ignorância se um crime foi praticado;
- Praticados de forma incomum por meios não violentos e revestidos de uma aparência externa de licitude;
- Ocorrência prolongada no período temporal, com planejamento, racionalização e coordenação.
Praticamente todas as características de Sutherland estão presentes nas práticas criminosas verificadas na OPERAÇÃO PONTO FINAL. Devido às limitações inerentes à própria Polícia Civil, como a ausência de garantias constitucionais mínimas para execução de seu trabalho, sempre realiza esse tipo de ação temerosa de sofrer ingerências políticas e represálias pessoais aos policiais envolvidos.
Contudo, a coragem e o inconformismo com a impunidade e com a vilania que defrauda os cofres abastecidos pelo impostos, não impediu a realização da OPERAÇÃO PONTO FINAL.
Considerações Finais
Os trabalhos da OPERAÇÃO PONTO FINAL ainda estão longe de ser concluídos. Todo o material coletado na Busca e Apreensão necessita ser catalogado e devidamente analisado para que injustiças não ocorram e a lei seja respeitada.
Será preciso ouvir muitas pessoas, contar com denúncias e com a colaboração de todas as pessoas cientes de alguma ilegalidade no HRTM. É necessário investimento em meios de investigação e contratação de policiais para ampliar a celeridade da investigação garantindo o sucesso final desse corajoso trabalho.
Somente com o apoio do Governo do Estado em prover esses meios e com a participação da sociedade, a Polícia Civil poderá lograr definitivo sucesso e continuar esse serviço essencial de expor condutas criminosas, como nesse caso, acertando o relógio de ponto da Saúde Pública e para que esses usurpadores do povo sejam levados à justiça.
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REFERÊNCIAS:
SUTHERLAND, Edwin Hardin. White Collar Crime: The Uncut Version. pp. 13–29. New York: Yale University Press. 1985. 291p.
FERNANDES, Carlos Thompson Costa. PROCESSO Nº 007148/2013 – TC (PLENO): Representação. Natal RN: Tribunal de Contas do Estado, 2013. 12 p.
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Cezar Alves é Fotojornalista e Editor do Jornal De Fato e da Coluna Retratos do Oeste.
Fonte: Blog do Ivenio Hermes