DEGEPOL: O Arquivo Morto
1 Conhecendo a Situação Real
Os estudos sobre segurança pública mostram que os procedimentos policiais sejam continuados e que o ciclo completo da atividade policial seja praticado, isto é, deve haver policiamento ostensivo e policiamento investigativo para que a segurança seja promovida com eficácia.
A falta de investimento em políticas públicas sérias no sentido da promoção da segurança são ações de um governo sem preparo técnico para exercer suas funções e que mesmo cercado de pessoas competentes, quando é, não é capaz de realizar ações concretas porque impede que essas pessoas tenham liberdade de atuação.
As variáveis que resultam em crime e medo que o crime seja praticado passa por diversas falhas, como afirma SANTOS (2011):
"O crime e o medo deste são variáveis resultantes da falta de projeto de crescimento, aliada à contingência da ausência de políticas públicas efetivas e modernas que contemplem a promoção social – saúde, educação, segurança, entre outras."
Se fundamentalmente é necessário um projeto de longo prazo, precisa-se contudo de ações basilares e emergenciais que visem o fortalecimento desse ciclo de policiamento, ou seja, é necessário investir em infraestrutura, incentivando o constante treinamento do efetivo, a renovação do quadro pessoal e aquisição de meios para que o exercício da atividade seja realizado.
Porém, agindo na contramão do conhecimento técnico, o Governo do RN não investe em nenhuma das áreas que contemplam a promoção social, e assim, a saúde, a educação e a segurança estão sendo minguadas desde que a Administração Ciarlini assumiu o Estado do Rio Grande do Norte. E a segurança pública, responsável pela tranquilidade, sossego e paz do cidadão potiguar, tem sido tratada como matéria de pauta sem importância e relegada a segundo e terceiro plano nas pouquíssimas ações que tem suas proporções exageradas e fantasiadas nas propagandas políticas dessa administração.
O objeto do descaso tem sido visivelmente maior na Polícia Civil, que mesmo diante do clamor de seus integrantes, de especialistas em segurança pública, defensores dos direitos humanos, da mídia consciente e da população potiguar, tem sido objeto de desprezo da Administração Ciarlini.
2 Atitudes contra a segurança
2.1 Delegacias
A Polícia Civil vem sendo torturada pela falta de investimento no Rio Grande do Norte, induzida lentamente para sua completa extinção. Pela forma como esse órgão é tratado não se torna leviano afirmar, que a Administração Ciarlini tem algo contra sua atuação, buscando mitiga-la desde o seu efetivo, pela falta de contração de novos agentes como pela falta de treinamento dos que estão na ativa, e aplicando-lhe o golpe final com a falta de local de trabalho, ausência de manutenção nas delegacias e finalmente a retirada de patrimônio essencial para que sua administração e treinamento tenham lugar próprio.
É necessário perceber que a destinação orçamentária de R$ 8 milhões do ano de 2013 para investimentos na Polícia Civil foi diminuída baseada em pressupostos empíricos que o Governo do RN possui sobre a necessidade do órgão. Desse valor inicial mais de R$ 4 milhões foram retirados, um dinheiro que seria utilizado na aquisição de equipamentos de trabalho e reformas de Delegacias, algo que resultaria na promoção direta de melhores meios de prestação de serviços para a segurança da população.
Comparada a essa verba pífia de R$ 8 milhões que foi transformada apenas em menos de R$ 4 milhões, o descaso da administração está exemplificada nas Delegacia Plantão Sul no Bairro da Candelária, que não reúne condições adequadas de atendimento ao público e nem de trabalho. Outro exemplo mais estarrecedor ainda é a 7ª DP, cujo prédio está desmoronando, causando perigo para os policiais, para o público que procura atendimento e para a população do entorno, pois o prédio público viola condições de segurança (seu desmoronamento e a degradação do solo podem afetar as construções vizinhas).
2.2 DEGEPOL
E como se não bastasse o corte orçamentário e a falta de políticas na promoção de investigação, que impactam negativamente no combate à impunidade, afinal, o criminoso sabe que não ficará muito tempo detido porque a polícia investigativa não possui condições de trabalho, o Governo do RN dá mais uma apertada na promoção do fim da Polícia Civil. Trata-se do Decreto Nº 23.576, de 11 de Julho de 2013, que desabriga a DEGEPOL (Delegacia Geral de Polícia), que é o comando geral da Polícia Civil no RN, incluindo a ACADEPOL (Academia de Polícia Civil) e diversos outros órgãos da Polícia Civil, e transforma a área em ARQUIVO MORTO.
Sem data confirmada para sua implantação, esse ARQUIVO MORTO receberá uma verba absurda de 30 milhões de reais enquanto a Polícia Civil não possui nem R$ 4 milhões para sua subsistência. E assim, novamente deixando a segurança pública para segunda análise, num estado que em 2013 já atingiu mais da metade do número total de homicídios de 2012, a Administração Ciarlini comemora com ares de vitória através da afirmação do secretário de Administração, Álber Nóbrega, em matéria ao repórter Moisés de Lima, que ainda comenta: "O Arquivo está localizado num local com péssimas condições físicas, totalmente insalubre. Tenho até vergonha quando as pessoas vão lá".
Como os membros da Administração Ciarlini, em especial os secretários de Administração, de Segurança Pública e à própria Governadora, se sentem em relação à Delegacia Plantão Sul localizada em Candelária? Ou quanto à 7ªDP no bairro Quintas? Ou ainda quanto às dezenas de delegacias em péssimas condições de atendimento ao público e de insalubridade para os policiais civis?
O desrespeito é muito grande, com certeza o Governo do RN não teria coragem de transformar o Comando Geral da Polícia Militar num ARQUIVO MORTO, por que faz isso com a Polícia Civil?
São R$ 30 milhões em uma obra sem a necessidade e o grito do clamor público em relação aos míseros R$ 4 milhões que foram negados para a Polícia Civil, configurando em mais uma dentre as muitas atitudes que o Governo do RN adota contra a segurança pública.
2.3 Efetivo
Esse aspecto já foi amplamente abordado em diversos outros artigos, entretanto, o Governo do RN se mantém alheio aos alertas e continua faltando com a verdade em relação ao uso da Lei de Responsabilidade Fiscal para não nomear os Policiais Civis concursados em 2009 e formados desde 2010. Nesse assunto cumpre relembrar que:
1- As nomeações até agora realizadas pulverizaram agentes por todo Estado, beneficiando Mossoró que é a região onde a Governadora Rosalba Ciarlini é mais forte politicamente e mesmo nela já apresenta desgaste sentido pela população que demanda atitudes positivas da Administração do Estado;
2- Essa pulverização de policiais civis não solucionou o problema da violência ou da criminalidade, de fato foi apenas uma falsa política de "interiorização da Polícia Civil" que visava levar policiais para lugares cuja presença da polícia investigativa não existia, mas que na verdade apenas retirou agentes de algumas delegacias e os colocou em outras, deixando as delegacias originais deficitárias;
3- A consubstanciação da afirmação contida no item anterior é baseada no fato de que todas as nomeações feitas pela Administração Ciarlini não atendem ao contido no Edital do Concurso de 2009, isto é, não cria novas vagas para a Polícia Civil, apenas faz uma reposição do efetivo cuja vacância que se deu por aposentadorias, exonerações e falecimentos de agentes;
4- Outras afirmações importantes são: esses policiais foram formados em um curso mal elaborado; suas bolsas não foram pagas e somente por meio de ação judicial alguns conseguiram recebe-las e; embora o judiciário já tenha determinado suas nomeações, o Governo do RN através da Procuradoria Geral do Estado recorre dessas decisões judiciais.
Esse mesmo Governo se compromete em chamar os policiais militares, conhecidos como os 824 Aprovados, para fazerem curso de formação e sua posterior nomeação, não que eles não mereçam ou a Polícia Militar não precise, apenas para demonstrar a diferença de tratamento que o Governo do RN aplica para esses dois órgãos componentes da segurança pública estadual.
Tudo isso está confirmado na entrevista à rádio 96FM onde o Secretário de Estado de Segurança e da Defesa Social afirma que, para a Copa em Natal em relação a investimentos para Polícia Militar, reforçaráo efetivo da PM com as nomeações dos 824 aprovados do último concurso. Na entrevista (ouça a entrevista completa baixando o arquivo de áudio disponível em http://db.tt/sgbHtOeT), o secretário Aldair da Rocha afirma ter ligado para o Procurador Geral Estado Miguel Josino e este confirmou que não havia mais impedimento jurídico para nomear os aprovados. Mas nunca houve impedimento jurídico para a nomeação dos Policiais Civis, e notem, apenas para a nomeação, pois eles já estão formados, e eles ainda não foram nomeados. E foi o mesmo Procurador Geral Estado Miguel Josino que recorreu da decisão judicial para nomear os policiais civis...
Não há como esconder, diante deste quadro, que a Administração de Rosalba Ciarlini não quer nomear os Policiais Civis.
3 Batalha Pela Sobrevivência
A Administração Ciarlini completou mais 30 meses sem dialogar com a Polícia Civil, além de adotar um comportamento semelhante com outros componentes do funcionalismo estadual. A legitimidade desse governo que deveria representar os anseios da população é questionável porque ele não cumpre suas promessas de campanha que o levou ao cargo executivo.
Embora o Governo do RN se apoie na Lei de Responsabilidade Fiscal para não nomear, não pagar salários justos dentre outras ações, o governo paga a outros conforme sua vontade, como o aluguel de jato para viagem ao Rio de Janeiro ou custeio de propaganda na cifra de R$ 40 milhões de reais.
Sem condições mínimas de trabalho, recentemente as três entidades de Classe que representam a Polícia Civil, a saber, a ADEPOL (Associação dos Delegados de Polícia Civil/RN), a ASSESP (Associação dos Escrivães de Polícia Civil/RN e o SINPOL (Sindicato dos Policiais Civis/RN), se reuniram em busca de soluções e embora sejam muitas as reivindicações de cada categoria, resolveram se concentrar em apenas duas: a nomeação dos concursados e a melhoria de condições de trabalho.
No dia 12 último (12/07/2013), delegados, agentes e escrivães, fizeram mais uma manifestação na tentativa de dialogar com o governo. Somente o SINPOL já protocolou 30 ofícios na tentativa de serem ouvidos, porém nunca foram recebidos pelo Governo.
A despeito da informação dada pela Governadora Rosalba Ciarlini, o déficit de pessoal coloca a Polícia Civil como possuidora do menor efetivo do Brasil. Somente 1.482 (Agentes, Escrivães e Delegados) tentam realizar o trabalho que deveria ser feito por tantos outros constantes das 5.150 vagas existentes no quadro da Polícia Civil do Rio Grande do Norte.
A Crise na Segurança Pública Potiguar está se transformando num caos e as entidades de classe se envolvem mais e mais numa batalha pela sobrevivência.
4 Considerações Finais
A política de descaso para com a segurança pública praticada pela Administração Ciarlini, principalmente referente à Polícia Civil, não reflete a democracia cujo estandarte é o pilar do partido de Rosalba Ciarlini e somente após a manifestação dos policiais resolveu receber as entidades representantes das classes integrantes.
Um governo democrata não prioriza mais um órgão do que o outro diante das gritantes necessidades da população como tem feito com a segurança pública. Um governo democrata e competente não privilegia mais o ciclo ostensivo em detrimento ao ciclo investigativo de polícia, pois a presença de ambos e em capacidade equivalente é necessária para a promoção da segurança.
O Governo do RN está enfraquecendo gradualmente a Polícia Civil, fazendo-a minguar por inanição, adoecendo seus agentes e preparando essa instituição para a morte.
O enterro simbólico realizado pelos policiais no último dia 12 de julho de 2013 nada mais é do que a representação da realidade por trás das ações do Governo do RN, que adoece a Polícia Civil para depois abreviarsua vida, como já parece que acontecerá com a DEGEPOL que está prestes a ter a maior parte de sua sede transformada em ARQUIVO MORTO, como se fosse um enfermo incurável, à mercê da eutanásia governamental.
A situação difícil em que vivem os policiais civis, está apontando para que o enterro simbólico se transforme num enterro de fato, e não somente os policiais como toda a sociedade potiguar precisa reagir para evitar que essa eutanásia por sepultamento se consolide numa atrocidade cometida contra a segurança pública potiguar.
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REFERÊNCIAS:
SANTOS, Aldo Antonio Dos; FORMEHL, Kelly Cristina; PICCOLI, Daniela Lain. O Ciclo Completo de Polícia no Brasil. Revista de Antropologia Experimental: Universidad de Jaen, Espanha, n. 11, p.1-10, 1 abr. 2011.
LIMA, Moisés de. Arquivo Público ganhará novo endereço com investimento de R$ 30 milhões: Ato, que foi publicado hoje no Diário Oficial do Estado (DOE) pela governadora Rosalba Ciarlini, custará R$ 30 milhões. Portal No Ar. Disponível em: <http://db.tt/grtMnMWy>. Acesso em: 12 jul. 2013.
HERMES, Ivenio. Plantão Sul: Imagens da Falta de Investimento: Levantamentos Fotográficos da Delegacia Plantão Sul. Fanpage do Blog do Ivenio Hermes. Quatro álbuns disponíveis em <http://migre.me/fsYVt> , <http://migre.me/fsYYk> , <http://migre.me/fsZ0y> e <http://migre.me/fsZ2f> Publicados 07 jul. 2013.
HERMES, Ivenio. 7ªDP O Caos Revisitado: Levantamentos Fotográficos da 7ª Delegacia de Polícia. Fanpage do Blog do Ivenio Hermes. Quatro álbuns disponíveis em <http://migre.me/fo2hm> , <http://migre.me/fo2k5> , <http://migre.me/fo2lZ> e <http://migre.me/fo2mH> Publicados 09 jul. 2013.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves.
Artigo escrito por Ivenio Hermes e publicado originalmente em parceria com o amigo e jornalista Cezar Alves (Coluna Retratos do Oeste) do Jornal De Fato.
Fonte: Retrato do Oeste