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Ministério Público quer escolher o que e quem investigar

Esse tema, na verdade, foi ao longo do tempo, completamente desvirtuado. É preciso esclarecer a opinião pública que, lamentavelmente, diante de informações falaciosas, equivocadas, vem fazendo juízo de valor sobre esse tema, com premissas, muitas delas falsas, e consequentemente equivocando-se nas suas conclusões.

 

Vejo manifestações de pessoas que têm responsabilidade na nossa sociedade, formadores de opinião e que opinam, formando opinião de muitos, mas sequer conhecendo do que estão tratando, sobre o que estão opinando e esta campanha que se fez contra a PEC 37 tem um fundamento, tem uma razão de ser e é sobre isso que eu quero falar. Mas não sem antes registrar que o Ministério Público, tanto estadual quanto federal, instituições que tanto respeitamos, são indispensáveis para a manutenção do Estado Democrático de Direito, instituições fundamentais para que possamos construir a Justiça. Instituições que, como a magistratura, como a advocacia, como as demais instituições, são colunas de sustentação de nossa Democracia e têm suas atribuições estabelecidas e limitadas em lei e a observância desses limites é que faz o Estado de Direito.

 

E a PEC 37 precisaria existir? Jamais. Nós não precisamos de emenda constitucional para dizer o que já está dito. Sobre a PEC 37, vejo tanta gente falando e eu pergunto se já leram o texto da proposta e me respondem que ainda não, mas que leram o que foi publicado pela imprensa. Mas o que saiu na mídia foi distorcido. As fontes para alimentar a mídia, muitas vezes, foram falaciosas. Assim sendo, a PEC 37 acrescenta mais um parágrafo, o décimo, ao Artigo 144 da Constituição Federal, o qual fala sobre segurança pública e estabelece, no parágrafo 1º, atribuição à Polícia Federal para apurar crimes de competência federal e no parágrafo 4º às Polícias Civis, ambas são dirigidas por delegados de polícia de carreira incumbindo-as, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária, que consiste na apuração de infrações penais, exceto as militares.

 

Basta ler para saber o que o legislador quis. Compete às polícias civis a apuração das infrações penais. Então quando nós lemos a Constituição Federal, nós não temos qualquer dúvida sobre o que pretendeu o legislador. Para o Ministério Público ele também foi claro e deu a atribuição da titularidade da Ação Penal e também a fiscalização da atividade realizada pela polícia judiciária. Isso está muito claro na Constituição. Nunca, em momento algum o constituinte autorizou o Ministério Público investigar diretamente infrações penais, o que se realizado consideramos flagrantemente ilegal.

 

Em um determinado momento histórico passou-se, em razão da possibilidade de o MP realizar o inquérito civil, expedir notificação para constituir prova em um inquérito civil (jamais criminal), estendeu-se esse entendimento e o próprio MP passou a advogar a tese de que, podendo constituir elementos de prova para o inquérito civil, poderia também fazê-lo para o inquérito criminal, e tentou o MP construir, pinçando pedacinhos de uma lei, mais um trecho de artigo doutrinário, além de regras criadas interna corporis, mais uma consideração acola, mais um julgado que não tem nada a ver com o tema central, formando uma verdadeira colcha de retalhos, tentou construir uma tese de uma atribuição de poderes de investigação criminal, que até hoje não tem solidez.

 

Não foi o legislador, em momento nenhum, que deu atribuição ao MP para realizar investigação criminal. Reiteramos jamais isso aconteceu. O legislador foi muito claro no que pretendia. Portanto, entre ficar com a construção da colcha de retalhos para uma tese que é muito frágil e uma leitura objetiva, clara, precisa do que quer o legislador, nós não temos opção. Intérprete da lei tem a obrigação de entender o texto como ele foi proposto, votado e sancionado, especialmente quando esse texto é o da Carta Magna. Assim sendo, está claro na Constituição Federal, sem deixar qualquer espaço para outra interpretação: o MP não pode realizar diretamente investigação criminal,  isso compete à Polícia Judiciária.

 

Então, a premissa é essa. O MP não tem poder para investigar crimes. Tudo o que vem depois é distorção, é falácia, é equívoco. Há quem diga que a PEC 37 vai retirar poderes do MP. Ora, ninguém retira o que o outro não tem. Isto está errado. O MP não tem poderes, portanto não se pode retirar dele o que ele não tem. A PEC vai limitar os poderes de investigação do MP. Não se pode limitar o que alguém não tem.

 

Assim sendo, esta construção da tese do MP passou a ter algumas bases curiosas e outras perigosas. A construção da tese da investigação pelo MP ganhou um destaque maior com a realização de grandes operações feitas no Brasil pelas polícias civis estaduais e federal e com a participação do MP nessas operações. E esta articulação da tese veio em razão da prática ilegal de investigação criminal com coleta de algumas provas que foram sendo colhidas sem conhecimento da autoridade policial. Provas essas que possivelmente não chegavam a ser incluídas em inquérito policial. A partir daí o MP passou a realizar procedimentos investigatórios de maneira autônoma, inclusive criando regras internas para tal, o que jamais supre a vedação legal.

 

Quero lembrar que, já que não temos lei que autorize o MP a investigar, sustentam alguns que a mudança legislativa com tal previsão autorizadora resolveria o problema. Pergunto: é possível isso? É adequado para o Brasil? Não é. E por que não é? Porque precisamos de divisões e limitações para controlar o Estado. Montesquieu, para fazer com que um Estado todo poderoso, absolutista, pudesse ser controlado, dividiu esse Estado em três partes. A tripartição dos poderes do Estado, no Legislativo, Executivo e Judiciário, foi uma forma direta e indireta de autocontrole do próprio Estado. Assim sendo, o fracionamento do Estado divide responsabilidades e atribuições, e isso tem por razão o autocontrole. Não se pode super-fortalecer uma parte do Estado em detrimento de outra.

 

 

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Por: Luiz Flávio Borges D’Urso - Advogado criminalista, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, foi presidente da OAB-SP por três mandatos.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2013