Polícia Civil conclui inquérito sobre morte de F Gomes
O radialista Francisco Gomes de Medeiros, o F. Gomes, foi assassinado a mando de pessoas que formaram um "consórcio" para financiar o crime. Para a delegada Sheila Freitas, da Divisão Especializada em Investigações e Combate ao Crime Organizado (Deicor), esse "consórcio" seria responsável por angariar R$ 10 mil e repassar a João Francisco dos Santos, o Dão, autor confesso do assassinato.
Essa versão foi apresentada pela delegada Sheila Freitas ontem, em entrevista coletiva concedida em Caicó. De acordo com a delegada, o "consórcio" é formado pelo advogado Rivaldo Dantas de Farias, pelo tenente-coronel PM Marcos Antônio de Jesus Moreira, pelo pastor evangélico Gilson Neudo Soares do Amaral e pelo comerciante Lailson Lopes, o Gordo da Rodoviária. Além desses, ainda de acordo com a delegada, o soldado PM Evandro Medeiros também tem envolvimento com o assassinato de F. Gomes. Todos estão presos.
"F. Gomes foi assassinado única e exclusivamente por causa do trabalho dele. Essa foi a motivação do crime. O F. Gomes, como todos sabem, sempre foi muito duro quando noticiava crimes que lesavam a sociedade. Por isso, pessoas que cometiam alguns delitos não gostavam do radialista. E foram justamente algumas dessas pessoas que se reuniram, arrecadaram o dinheiro e planejaram o crime e contrataram o Dão", falou Sheila Freitas.
Cada um dos presos, em algum momento, foi alvo de críticas de F. Gomes em programas de rádio que ele conduzia em Caicó. "Não podemos dizer que há algum cabeça nesse grupo, mas o principal articulador foi o advogado Rivaldo Dantas. Foi ele quem conversou com os demais e quem contratou o Dão para executar F. Gomes. Essa, inclusive, foi a parte mais fácil, uma vez que é sabido por todos aqui em Caicó que Rivaldo é advogado de Dão em outros processos e que Dão tem Rivaldo como um segundo pai".
Do dinheiro combinado para pagar o crime - R$ 10 mil - Dão só teria recebido R$ 3 mil. "Esses R$ 3 mil foram dados pelo pastor Gilson Neudo antes do crime e tinham por finalidade custear a fuga de Dão após o cometimento do assassinato", essa fuga acabou não se concretizando e Dão foi detido por policiais militares poucas horas após o crime.
Os outros R$ 7 mil para pagar a morte de F. Gomes seriam dados, ainda de acordo com Sheila Freitas, pelo tenente-coronel Moreira. "Para dar esse dinheiro, o oficial inclusive vendeu um triciclo aqui em Caicó por cerca de R$ 20 mil. Os R$ 7 mil seriam dados a Rivaldo [advogado de Dão] em sete cheques de R$ 1 mil. Desses sete, apenas cinco foram dados e alguns deles não tinham fundos, o que gerou uma discussão entre eles".
A delegada lamentou apenas não ter encontrado a arma usada para matar F. Gomes. "No dia após o crime, já preso, Dão disse à polícia que tinha atirado o revólver calibre 38 no açude Itans. Bombeiros procuraram a arma no local, mas não a encontraram. Recentemente, o Lailson Lopes deu uma nova versão, dizendo que o revólver teria sido entregue ao soldado Evandro. De qualquer forma, ainda não o encontramos. Mas isso não prejudica a elucidação do crime".
Sheila Freitas disse que não vai indiciar Dão e Lailson, até mesmo porque eles já receberam a sentença de pronúncia e devem ir a júri popular ainda este ano. Rivaldo Dantas, Marcos Moreira e Gilson Neudo serão indiciados por homicídio, uma vez que são os autores intelectuais do assassinato. O soldado Evandro, que seria responsável por esconder a arma após o crime, também será indiciado.
Dinheiro da igreja foi usado para pagar crime
Os R$ 3 mil dados a Dão para fugir de Caicó logo após matar F. Gomes foram provenientes da Igreja Batista Regular. A delegada Sheila Freitas revelou ontem que o dinheiro saiu das mãos do pastor Gilson Neudo Soares Amaral, que congrega em uma igreja localizada no centro da cidade, vindos do dízimo pago por fieis.
"Esse dinheiro serviria para Dão sair de Caicó e se manter por alguns dias. O combinado pelo grupo era depois o advogado Rivaldo Dantas procurá-lo para dar os R$ 7 mil restantes do combinado. Isso só não foi concretizado porque Dão não conseguiu completar o planejado por ter sido detido pela PM", relatou a delegada.
Sheila Freitas também contou como chegou aos integrantes do grupo: "Obtivemos algumas informações sobre a possível participação de cada um deles no crime, uma vez que todos já tinham sido criticados por F. Gomes em programas de rádio. Consegui junto à Justiça a quebra dos sigilos telefônicos de todos e averiguamos que minutos antes e minutos após o crime eles se comunicaram entre si".
E continuou: "Também descobrimos um outro detalhe: F. Gomes foi morto no dia 18 de outubro de 2010. No dia 15 do mesmo mês, um aparelho celular foi repassado a Dão para ele se comunicar com o grupo. Essa linha foi habilidade neste mesmo dia e o chip seria destruído após o crime. Esse mesmo aparelho já tinha pertencido ao pastor Gilson e ao comerciante Lailson Lopes".
Para a delegada, essas são provas técnicas do envolvimento de Rivaldo, Moreira, Gilson e Lailson no crime. "Além disso, descobrimos que Dão, após matar F. Gomes, foi para a casa do soldado Evandro. Foi lá que ele trocou de roupa e, segundo Lailson, deixou a arma do crime. Tecnicamente, está provada a relação de cada um deles nesse assassinato".
Grupo pensou em matar todos os funcionários da rádio Caicó
O plano inicial do "consórcio" que financiou a morte de F. Gomes era promover um assassinato por envenenamento em massa. Os alvos seriam os funcionários da rádio Caicó AM, onde o radialista trabalhou nos últimos anos da vida dele.
Essa informação foi dada pela delegada Sheila Freitas ontem. "O plano inicial, segundo Lailson, seria envenenar todos os funcionários da rádio Caicó, onde F. Gomes trabalhava. O grupo iria injetar veneno em pães, bolos, sucos entregues diariamente por uma padaria que anuncia na rádio", contou.
Essa possibilidade foi levantada por Lailson Lopes no depoimento prestado à Sheila Freitas na cadeia pública de Caraúbas no ano passado. "Mas o grupo logo desistiu, pois viu que seria inviável matar todos os funcionários da rádio de uma só vez".
Um outro fato que pode ter levado o grupo a desistir do assassinato em massa era o fato de, à época do crime, a mulher de Lailson ainda trabalhar na rádio Caicó. "O Lailson, todos aqui em Caicó sabem, tem uma verdadeira adoração pela mulher. Ele mesmo não iria admitir a possibilidade de a companheira ser assassinada dessa forma", completou.
Sheila Freitas também aproveitou a coletiva de ontem para reforçar que não ficou intimidada por ter de investigar um policial militar de alta patente. "Todos foram investigados da mesma maneira. Cheguei a receber alguns telefonemas em tom de ameaça, mas não fiquei intimidade por isso. Esse é o meu trabalho. Sou paga para fazer isso. Se um dia me sentir ameaçada, peço demissão da polícia", concluiu.
Bate-papo
Geraldo Rufino, Promotor criminal
Promotor vai oferecer denúncia contra acusados
O promotor Criminal de Caicó, Geraldo Rufino, vai oferecer denúncia à Justiça contra os acusados de planejarem a morte de F. Gomes na próxima sexta-feira. Ontem, ele disse estar satisfeito com a investigação conduzida pela Polícia Civil.
O assassinato de F. Gomes foi definitivamente elucidado?
"Agora, acredito que sim. Pelo que temos conhecimento até o presente momento, todos os envolvidos nesse crime que chocou Caicó estão presos e serão julgados pelo o que cometeram".
O fato de a arma usada para matar F. Gomes não ter sido encontrada prejudica o julgamento?
"De forma alguma. A Polícia Civil, na pessoa da delegada Sheila Freitas, produziu provas contundentes contra essas pessoas. Claro que se a arma fosse encontrada seria um elemento a mais para comprovar a materialidade do crime. Mas as provas já são suficientes".
Qual o trâmite legal a partir de agora?
"Tenho até sexta-feira para oferecer a denúncia ao juiz Luiz Cândido Villaça, que vai acatar ou não. Se sim, será iniciada a fase da instrução processual, com a oitiva de testemunhas"
Nesse caso, Dão e Lailson, que já foram pronunciados, terão seus júris adiados?
"Essa é uma decisão que o juiz Criminal deverá tomar. Ele é que vai decidir se realiza logo o júri popular de Dão e Lailson e se faz um júri unificado. A meu ver, nada impede que os dois sejam julgados logo".
Denúncias eram sua marca
Francisco Gomes de Medeiros, mais conhecido como F. Gomes, teve a atuação como jornalista marcada pelas denúncias de crimes relacionados, principalmente, ao tráfico de drogas e homicídios. Comunicador de destaque no Seridó, F. Gomes foi assassinado na noite do dia 18 de outubro de 2010, na cidade de Caicó. Ele estava na calçada de casa, na rua Professor Viana, no bairro Paraíba, quando Dão surgiu em uma motocicleta e abriu fogo. O jornalista ainda foi levado para o hospital regional, mas não resistiu aos ferimentos.
Desde então, a polícia entrou em campo para prender os envolvidos. Dão foi o primeiro e, inicialmente, afirmou que a morte era devido a uma antiga rixa entre ele e F. Gomes. A tese não foi acatada. A polícia chegou a desconfiar da participação de um preso, que poderia ser o mandante. No entanto, as investigações levaram a Lailson Lopes, o Gordo da Rodoviária, apontado como um dos mandantes do crime. Através dele, de acordo com a polícia, foi possível chegar ao tenente-coronel da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Marcos Antônio de Jesus Moreira, ao advogado Rivaldo Dantas de Farias, ao pastor evangélico Gilson Neudo Soares do Amaral e ao soldado da Polícia Militar, Evandro Medeiros. O motivo para a morte de F. Gomes, que tinha 48 anos e três filhos, foi o trabalho do jornalista.
Fonte: Tribuna do Norte