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NOTA SOBRE A LEI NÂș 13.491, DE 13 E OUTUBRO DE 2017

NOTA SOBRE A LEI Nº 13.491, DE 13 E OUTUBRO DE 2017

 

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA JUDICIÁRIA – ADPJ, que congrega mais de 10 (dez) mil Delegados de Polícia das Polícias Civis e Federal de todo o país, dirigindo-se aos Excelentíssimos Delegados e Delegadas, vem se manifestar acerca da aprovação da Lei nº 13.491, de 13 de outubro de 2017.

 

Ao contrário do que entidades representativas das Polícias Militares vêm propagando, notadamente a Nota Técnica da FENEME, de 16/10/2017, em nosso entender, a Lei nº 13.491, de 13 de outubro de 2017, que alterou o Código Penal Militar - CPM, não promoveu a suposta ampliação da competência da Justiça Militar Estadual para julgamento de crimes previstos em legislação penal especial “comum” praticados por policiais e bombeiros militares.

 

Em primeiro lugar, é necessário contextualizar o processo de aprovação da Lei nº 13.491, de 13 de outubro de 2017, sancionado pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado Federal, onde recebeu o número PLC nº 44/2016, e pela Câmara dos Deputados, Casa de origem, onde recebeu o número PL nº 5.768/2016. 

 

Enquanto tramitava como proposição legislativa, a novel legislação descrevia na explicação de sua ementa que ela tratava sobre a “jurisdição competente para julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares”.

 

Da ementa já se depreende que a matéria tratada tem relação com o foro para julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, nada dispondo sobre ampliação do rol de crime militares.

 

Vale destacar que o contexto fático da proposta diz respeito à constante atuação das Forças Armadas em atividades de Garantia da Lei e da Ordem – GLO, para que um militar federal, vindo a praticar ato previsto como infração penal, seja julgado pela Justiça Militar da União. 

Convém observar excerto da Justificação do projeto originário (PL nº 5.768/2016) do Deputado Espiridião Amim, vejamos:

 “Cumpre ressaltar que as Forças Armadas encontram-se, cada vez mais, presentes no cenário nacional atuando junto à sociedade, sobretudo em operações de garantia da lei e da ordem. Acerca de tal papel, vale citar algumas atuações mais recentes, tais como, a ocorrida na ocasião da greve da Polícia Militar da Bahia, na qual os militares das Forças Armadas fizeram o papel da polícia militar daquele Estado; a ocupação do Morro do Alemão, no Estado do Rio de Janeiro, em que as Forças Armadas se fizeram presentes por longos meses; e, por fim, a atuação no Complexo da Maré, que teve início em abril de 2014.

 Dessa forma, estando cada vez mais recorrente a atuação do militar em tais operações, nas quais, inclusive, ele se encontra mais exposto à prática da conduta delituosa em questão, nada mais correto do que buscar-se deixar de forma clarividente o seu amparo no projeto de lei.” 

 

Assim, fica evidente que o mote da proposta jamais foi a atuação dos militares dos Estados e do Distrito Federal, ou a ampliação da competência da Justiça Militar Estadual para crimes previstos fora do Código Penal Militar. 

 

Visto isso, passamos à análise da alteração promovida no inciso II do art. 9º do Código Penal Militar. A esse respeito, registramos que não houve a ampliação do rol de crimes militares sujeitos à Justiça Militar Estadual aplicáveis aos policiais e bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal.

 

A redação anterior do inciso II do art. 9º do CPM previa o seguinte:

"II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

 O referido dispositivo ficou assim redigido:

 

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017) Grifamos.

 Como se depreende, o dispositivo incluiu no conceito de crime militar em tempos de paz aqueles previstos na legislação penal. 

 

Antes de prosseguir, convém registrar, a bem da clareza, que os crimes praticados por militares estaduais fora das hipóteses previstas nas alíneas do inciso II do art. 9º do CPM não são crimes militares, pois praticados sem relação com as atividades profissionais. 

 

Em resumo, crimes previstos na legislação especial praticados por militares estaduais fora de serviço não são crimes militares. Por exemplo, um policial militar que agredir a esposa irá responder por lesão corporal no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, de competência Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Justiça Comum). 

 

Visto isso, segundo o entendimento das entidades representativas dos militares estaduais, a nova redação do inciso II do art. 9º teria ampliando o conceito de crime militar, atraindo, por consequência, a competência da Justiça Militar Estadual para julgar crimes previstos na legislação penal comum especial quando praticados por militares estaduais em serviço ou em razão deste. 

 

Ousamos discordar veementemente. 

 

Primeiramente, o Código Penal Militar não faz referência aos militares estaduais e do Distrito Federal ou à competência da Justiça Militar Estadual.

 

 A norma que dispõe sobre a competência da Justiça Militar Estadual encontrase prevista no art. 6º do Código de Processo Penal Militar, assim redigido: 

Art. 6º Obedecerão às normas processuais previstas neste Código, no que forem aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução de sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares. (grifamos) 

 

Do dispositivo citado, é possível retirar algumas conclusões. 

 

A primeira, é que as regras processuais aplicáveis aos militares das Forças Armadas não são necessariamente as mesmas aplicáveis aos militares dos Estados e do Distrito Federal, haja vista que a expressão “no que forem aplicáveis” deixa evidente que as normas processuais do CPPM somente se aplicam quando compatíveis com a natureza das atividades desenvolvidas pelos militares estaduais. 

 

Reforça a diferenciação de tratamento entre militares estaduais e das Forças Armadas o fato de a própria Lei nº 13.491, de 13 de outubro de 2017, conferir regra de competência distinta para julgamento de crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares, ficando sujeito à Justiça Militar da União os cometidos por militares das Forças Armadas, e sujeito ao Tribunal do Júri (Justiça Comum) os cometidos por militares dos Estados e do Distrito Federal.

 

 Para elucidar, na data de ontem, 23/10/2017, uma cidadã espanhola foi assassinada por policiais militares do Estado do Rio de Janeiro, gerando grande repercussão no Brasil e no exterior, com graves prejuízos à imagem do país. 

 

No início, o caso foi assumido pela Corregedoria da Polícia Militar com a pretensão de proceder à investigação de crime que, segundo a Constituição Federal, é de competência do Tribunal do Júri, sendo necessário que o caso fosse redirecionado para a Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro, haja vista a atribuição desta para investigação de crimes cometidos contra civis em “tempos de paz”, reforçando o que fora dito até aqui. 

 

Segundo ponto, e certamente o mais importante, é que as normas processuais do Código de Processo Penal Militar somente se aplicam à Justiça Militar Estadual nos crimes previstos na Lei Penal Militar.

 

Não se questiona que a Lei Penal Militar por excelência é o Código Penal Militar – CPM, já que a pretensão de inclusão como crime militar dos tipos penais previstos em legislação penal “comum” transcende claramente à finalidade da norma, à intenção do legislador e à finalidade da Justiça Militar Estadual, como se depreende do art. 6º do CPPM. 

 

Com efeito, a norma acerca da competência da Justiça Militar Estadual deve ser interpretada restritivamente, incluindo, na exata expressão do art. 6º do CPPM, unicamente os crimes previstos na “Lei Penal Militar”, não abrangendo os crimes previstos em legislação penal comum. 

 

Convém registrar que a Justiça Militar Estadual não é estruturada para processar e julgar crimes previstos da legislação penal comum, como crimes de organização criminosa, lavagem de capitais, crimes contra a ordem econômica e tributária, crimes contra o sistema financeiro etc. 

 

Salienta-se que os policiais militares e os bombeiros militares exercem atividade de natureza estritamente civil, na área de segurança pública, sem qualquer relação com atividade de natureza militar. 

 

Nesse diapasão, se admitida a interpretação pretendida pelas entidades militares, crimes gravíssimos como tortura, organização criminosa liderada por militares estaduais, grupos de extermínio e outros, além do próprio crime de abuso de autoridade, deixariam de ser julgados por Juízes de Direito e investigados pela Polícia Civil e Federal, passando para o crivo do julgamento exclusivamente militar, ainda que relacionados a atividades exercidas no âmbito da segurança pública, reitera-se, de natureza civil. 

 

Além disso, não se olvida que nas ações penais de crimes militares de competência da Justiça Militar Estadual há a participação de policiais militares atuando nos Conselhos de Justiça Militar na condição de juízes, não obstante a participação de um Juiz de Direito.

 

Isso não condiz com o processo de julgamento de crimes previstos em leis penais “comuns” especialíssimas, como a lei de organização criminosa, quando praticados pelos pares (policiais militares) daqueles que devem atuar como juízes (juízes militares), via de regra, em maior número que o Juiz de Direito no âmbito dos Conselhos de Justiça Militar. 

 

Desta feita, quando não se tratar de crime previsto no Código Penal Militar, o policial e bombeiro militar deve responder perante a Justiça Comum, como já ocorre atualmente, cabendo à Polícia Judiciária (Polícias Civis e Federal) a investigação, por meio de inquérito policial, segundo as regras do Código de Processo Penal “comum”, incluindo os crimes dolosos contra a vida de civis.

 

 Por todo o exposto, não coaduna com o disposto no art. 6º do CPPM a interpretação dada por entidades ligadas aos militares estaduais, segundo a qual todos os crimes previstos em legislação penal especial passariam a ser considerados crimes militares, caso praticados nas hipóteses previstas nas alíneas do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar. 

 

Por essa razão, permanece a competência da Justiça Comum e das Polícias Civis e Federal para, respectivamente, julgar e investigar os crimes contra a vida de civis praticados por militares dos Estados e do Distrito Federal, bem como os crimes previstos na legislação penal comum, restringindo-se a competência da Justiça Militar Estadual aos crimes expressamente previstos no Código Penal Militar, quando praticados em serviço ou em razão deste. 

 

Com relação à atuação dos delegados de polícia, convém salientar o disposto no art. 250 do Código de Processo Penal Militar, abaixo transcrito: 

“Art. 250. Quando a prisão em flagrante fôr efetuada em lugar não sujeito à administração militar, o auto poderá ser lavrado por autoridade civil, ou pela autoridade militar do lugar mais próximo daquele em que ocorrer a prisão.”

 

Como se depreende do referido dispositivo, verificada a prática de crime, comum ou militar, por policial militar em situação flagrancial, não estando em local sujeito à administração militar, o delegado de polícia poderá proceder à lavratura de auto de prisão em flagrante, observando, se for o caso de crime militar, o disposto no Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar. 

 

Convém registrar que, aos crimes sujeitos à Justiça Militar não se aplicam as regras sobre os Juizados Especiais Criminais, por força do disposto no art. 90-A da Lei nº 9.099/1995, in verbis: 

Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. (Artigo incluído pela Lei nº 9.839, de 27.9.1999) Grifamos. 

 

Diante disso, ainda que a infração penal (comum ou militar) praticada pelo militar estadual possua pena privativa de liberdade não superior a 2 (dois) anos, não se admite a lavratura de Termo Circunstanciado, devendo ser lavrado Auto de Prisão em Flagrante. 

 

No caso de crime militar em situação flagrancial, o auto deve ser enviado ao juízo militar competente, conforme regras de organização judiciária de cada Estado e do Distrito Federal. 

 

Em se tratando de crime comum em situação flagrancial, incluindo os crimes dolosos contra a vida de civil e os previstos em legislação penal especial (visto não estarem sujeitos à Justiça Militar Estadual por força do disposto no art. 6º do CPPM), o Termo Circunstanciado e o Auto de Prisão em Flagrante deverão ser enviados, respectivamente, ao Juizado Especial Criminal e ao juízo criminal competente. 

 

A par das orientações constantes desta nota, conclamamos os Excelentíssimos Chefes de Polícia Civil, representantes do CONCPC, o Diretor Geral da Polícia Federal, as entidades de direitos humanos e os Poderes constituídos a adotarem as providências necessárias à preservação das atribuições da Justiça Comum e das Polícias Judiciárias Civis e Federal.

 

Por fim, a ADPJ reafirma que prosseguirá na defesa intransigente das prerrogativas das Polícias Judiciárias (Polícias Civis e Federal) e dos Delegados de Polícia em face de toda e qualquer pretensão de supressão ou usurpação de suas atribuições, incluindo a adoção de providências judiciais e extrajudiciais que foram cabíveis e necessárias. 

 

Brasília, 24 de outubro de 2017. 

 

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA JUDICIÁRIA - ADPJ