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Lei 12.830/13: breves comentários

Lei 12.830/13: breves comentários

 

 

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.

 

Constatada a prática de uma infração penal, surge para o Estado, com absoluta exclusividade, o direito (dever) de punir, fazendo com que o delinquente se submeta à reprimenda, donde se extraem não só os efeitos retributivo e ressocializador, como também o de prevenção, todos visando, em última análise, a reintegração social do agente do crime.

 

Ocorre que o alcance destas finalidades pressupõe o trâmite de um procedimento destinado a apurar as circunstâncias do fato criminoso, a processar o agente, e, uma vez comprovada a autoria delitiva, a sujeitá-lo à pena. É a persecução penal[1], fragmentada em três fases: a) investigação preliminar; b) ação penal; c) execução penal.

 

Note-se que, não obstante a regra seja a de que cumpre a um órgão oficial a realização de diligências para a apuração do fato criminoso, não há vedação a que um particular, estando diante da infração penal, reúna elementos relativos à materialidade e autoria delitivas, e, documentando-os, os encaminhe à autoridade policial ou ao órgão do Ministério Público, que, por sua vez, se verificar a suficiência das informações, poderá iniciar a ação penal sem prévia investigação policial. Ocorrerá esta hipótese, por exemplo, quando a infração penal puder ser demonstrada eminentemente por meio de documentos, que dispensam a oitiva de pessoas, a realização de perícias e de outras atividades inerentes aos órgãos estatais.

 

Embora haja a possibilidade acima destacada, a regra, reiteramos, é a da investigação por parte de órgãos oficiais, normalmente pela polícia judiciária, por meio do inquérito policial (eis o objeto da Lei em comento).

 

Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

 

§ 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

§ 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

§ 3o (VETADO).

 

§ 4o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

§ 5o A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.

§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

A ação estatal de investigação (a exemplo da ação penal e da execução da pena) não é de abrangência indefinida, encontrando limites no próprio ordenamento jurídico, em especial na Constituição Federal, que elenca uma série de princípios (explícita ou implicitamente) delimitadores das funções desempenhadas pelos agentes públicos.

 

Esses princípios limitadores são dotados de grande relevância em razão dos efeitos radicais comumente verificados na apuração criminal, que submete o investigado a constrangimentos (legais) sem que, nesta altura da persecução penal, haja a certeza necessária da culpa (lato sensu). Por essa razão, as manobras investigativas devem seguir um trâmite que atinja da forma menos lesiva possível o status dignitatis do investigado.

 

O instrumento comumente utilizado na investigação preliminar é o inquérito policial, procedimento administrativo[2] informativo, composto por um conjunto de diligências policiais, destinado a reunir os elementos necessários à apuração da infração penal, às suas circunstâncias e os indícios da autoria. Importa, assim, em investigar e recolher provas de tudo quanto possa servir para instruir e fundamentar futura ação penal (de iniciativa pública ou privada).

 

Cabe, em regra, à autoridade policial a iniciativa de proceder às investigações para a apuração de um fato com características de infração penal, procurando, inclusive, determinar a respectiva autoria[3]. Sua atuação pressupõe inquérito policial (mas pode atuar por meio de outros procedimentos, como o termo circunstanciado no caso de infração penal de menor potencial ofensivo).

 

Instaurado o inquérito policial, enunciam os arts. 6o e 7o do Código de Processo Penal algumas diligências que, na medida do possível, devem ser empreendidas para que a autoridade esclareça o fato delituoso e as suas circunstâncias.

 

Atuando como polícia judiciária, a autoridade policial, durante ou após a conclusão das investigações, está incumbida de auxiliar a Justiça, fornecendo informações de interesse para o deslinde da causa. Cumpre-lhe, ainda, realizar as diligências requisitadas pelo Juiz ou Promotor de Justiça -desde que não ilegais, evidentemente.

 

O § 3º do art. 2º da Lei em estudo dizia anunciava que “o Delegado de Polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade”. Para alguns afoitos, este dispositivo poderia significar que o Delegado estaria, de acordo com seu livre convencimento, autorizado a não cumprir requisições de outros órgãos. Para evitar o esperado conflito (repito: fruto de afoiteza), a Presidenta da República vetou o parágrafo, arrazoando: “Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa entre as instituições responsáveis pela persecução penal”.

 

Outro ato que integra o inquérito policial é o indiciamento, que significa atribuir a autoria de uma infração penal a determinada pessoa no âmbito da investigação. Não basta a mera suspeita para que a autoridade se decida pelo indiciamento, que exige indícios coerentes e firmes de autoria. O correto, aliás, é a autoridade sempre fundamentar esse ato, que será direto quando o investigado estiver presente e indireto quando estiver ausente. Esse dever de fundamentar, agora, é mandamento legal (art. 2º, § 6º).

 

A nova Lei, no art. 2º, § 4o, garante que o inquérito policial ou outro procedimento oficial em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação. Busca, assim, impedir nefasta ingerência na atuação dos Delegados.

 

Com o mesmo espírito, temos o § 5o, assegurando que a remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado. Não se criou (infelizmente) a garantia da inamovibilidade, mas certamente busca inibir a remoção arbitrária do zeloso Delegado por conta de pressões políticas, quase sempre existentes quando o seu trabalho orgulha a sociedade (e não cede a interesses escusos).

 

Art. 3o O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.

 

Apesar da sua importante atuação na persecução penal, na prática o Delegado de Polícia não recebia o mesmo tratamento protocolar dos demais personagens (magistrados, membros do Ministério Público e Defensoria Pública). Agora, com a novel Lei, ficou estampada a saudável isonomia. Juízes, Defensores, Promotores e Delegados são Excelências nas suas funções. Eis o tratamento protocolar a que alude o dispositivo, não permitindo concluir que ao Delegado se estende garantias outras constitucionalmente previstas para os demais órgãos.

 

Aqui deixo minha indignação. Esta Lei, com quatro artigos, pouco alterou a vida prática (como se uma mudança no tratamento protocolar significasse valorização do órgão). O que se espera é uma Lei que melhore as condições de vida profissional dos Delegados, implicando em melhores salários e garantias. É isso que a sociedade certamente esperava.

 

Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

FONTE: Jus Brasil