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Mulheres e homens devem se aposentar com a mesma idade? NÃO

“Em vez de apostar na queda da desigualdade entre homens e mulheres, podemos atrelar a mudança da idade de aposentadoria a uma cesta de indicadores”


ÉPOCA – As mulheres contribuem menos para a Previdência, se aposentam mais cedo e recebem aposentadoria por mais tempo, por morrerem mais tarde. Igualar a idade de aposentadoria à dos homens, como pretende o governo, não é uma forma de diminuir um privilégio?

Joana Mostafa – O governo argumenta que as mulheres custam mais por terem maior longevidade. O argumento é válido, mas não tanto quanto ele coloca. Fala-se muito na expectativa de vida ao nascer, quando o parâmetro mais importante para a aposentadoria é outro: a expectativa de vida aos 65 anos. Por esse indicador, as mulheres também vivem mais que os homens. Mas apenas três anos, não oito. Já por aí, você vê que essa diferença não é tão grande. Cotejar a Previdência pela longevidade faz bastante sentido. Mas responde a uma necessidade estritamente atuarial: preciso de mais contribuições de quem vai viver mais, porque para essa pessoa eu vou ter de pagar mais benefício. No entanto, a Previdência trabalha também com outra lógica: a lógica protetiva. A lógica da equidade. A Previdência trabalha no compromisso entre a promoção da equidade e a eficiência atuarial.

ÉPOCA – O mundo inteiro tem igualado as idades de aposentadoria para homens e mulheres. Por que não o Brasil?

Joana – A União Europeia de fato aproximou muito as idades de aposentadoria. Hoje, praticamente todos os países têm igualdade entre as idades, em geral aos 65 anos. Mas essa aproximação nas idades de aposentadoria foi acompanhada da redução da diferença de desemprego, da desigualdade de renda. A desvantagem salarial das mulheres, que no Brasil é de 30%, é de 15% na Europa. A taxa de desemprego na Europa é igual para os dois gêneros! O mais seguro, antes de reduzir a diferença das idades, é reduzir a diferença nesses indicadores do mercado de trabalho e do trabalho reprodutivo também.

ÉPOCA – Como homens e mulheres se comportam no mercado de trabalho brasileiro?

Joana – Cabe muito mais à mulher fazer o trabalho reprodutivo – cuidar da casa, de crianças e de idosos. Esse trabalho é socialmente útil, mas não é remunerado. No total, as mulheres trabalham oito horas a mais por semana. Se homem e mulher começarem a trabalhar aos 22 anos, para se aposentar aos 65, a mulher terá trabalhado 7,8 anos a mais que o homem. Hoje, a diferença de cinco anos na idade de aposentadoria de homens e mulheres responde bem, em média, às diferenças de longevidade e carga de trabalho de homens e mulheres que contribuem para a Previdência, se a gente reconhecer o trabalho reprodutivo como um trabalho socialmente útil.

ÉPOCA – A desvantagem salarial das mulheres no mercado de trabalho vem caindo, não?

Joana – A desvantagem salarial vem caindo, mas está mais ou menos estável desde 2005. Nenhum indicador nos diz, inequivocamente, que essa diferença continuará a diminuir nos próximos anos.

ÉPOCA – Eletrodomésticos não aliviaram o peso da dupla jornada das mulheres?

Joana – A diferença se reduziu com os eletrodomésticos, mas não podemos prever a tendência futura. A redução da pobreza, na última década, fez aumentar em muito a penetração de geladeiras e fogões. O ganho de produtividade trazido por eles não tende a se repetir. Os indicadores de afazeres domésticos são levantados desde 2001 – enquanto os estudos de mortalidade, por exemplo, contam com dados confiáveis desde a década de 1940. A gente ainda está testando hipóteses em cima de uma curva de comportamento muito pequena. O ideal seria ter uma boa fórmula de previsão, mas ainda não a temos.

ÉPOCA – Como estimar o papel das transformações recentes na igualdade de gêneros?

Joana – Um grupo de sete pesquisadores do Ipea, do qual eu faço parte, está realizando uma série de estudos relacionando as variáveis para tentar fundamentar medidas alternativas à redução de diferença de idade. Ou, se  a conclusão for contrária à mudança, para justificar por que a diferença de idade não deve ser mexida. É tudo preliminar ainda.

ÉPOCA – Como conciliar a urgência de equilibrar as contas da Previdência com as incertezas nas reduções de desigualdade entre homens e mulheres?

Joana – Na opinião desse grupo de estudo, a desigualdade de gênero ainda é grande no mercado de trabalho e no trabalho doméstico, a ponto de justificar que a Previdência, em seu papel protetivo, mantenha a diferença de cinco anos para a concessão da aposentadoria. Como os dados atuais não permitem afirmar se, e como, a desigualdade vai diminuir, nossa proposta é adotar uma cesta de indicadores. Conforme as diferenças diminuíssem, a diferença de idade para aposentadoria poderia diminuir automaticamente. O ajuste ficaria atrelado a uma redução da diferença de horas despendidas no trabalho doméstico, de salários e das taxas de participação no trabalho remunerado. Essas três taxas são medidas pelo IBGE, são dados transparentes e impessoais. Elas poderiam servir de gatilhos para disparar a aproximação das idades em um ano, dois anos, até igualar. Queremos montar um quadro assim para propor ao governo. Por enquanto, a gente ainda não tem. Mas a ideia é essa.

ÉPOCA – Se a mulher tem uma sobrecarga por cuidar dos filhos, não devemos conceder benefício apenas às mães?

Joana – Os países que igualaram as idades de aposentadoria fizeram mais ou menos isso, ao adotar mecanismos para reconhecer a dupla jornada das mulheres. Quem tem um filho pode se aposentar dois anos mais cedo, por exemplo. Mas, no Brasil, o custo da maternidade recai até sobre as mulheres sem filhos. Dos 25 aos 35 anos, a taxa de desemprego das mulheres aumenta muito. A taxa de desemprego das mulheres, em geral, é muito maior: em 2015, era de 11,6%, diante de apenas 7,7% para os homens. Apesar de mais qualificadas, as mulheres ganham cerca de 70% do salário dos homens.

ÉPOCA – A queda na taxa de fecundidade não tende a eliminar os custos que a maternidade impõe à mulher?

Joana – Não. Você está certo sobre a queda da maternidade, mas ela não encerra a questão. A partir de 2023, a razão de dependência vai aumentar. Não mais por causa das crianças, mas pelos idosos. Quem vai cuidar dos idosos?  Esse trabalho recai de novo sobre a mulher, infelizmente. Cuidar de idoso reduz a participação das mulheres no mercado de trabalho em 6%. A taxa dos homens se mantém estável. O tempo de afazeres do homem fica até menor.

* Joana Mostafa é pesquisadora da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Fonte: Revista Época
Foto: Sérgio Lima