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Polícia Rodoviária Federal não pode lavrar Termo Circunstanciado, decide Juíza Andrea Bispo.

A Juíza Andrea Ferreira Bispo, Titular do JECCRIM e articulista do Empório do Direito (confira seus artigos aqui), proferiu decisão reconhecendo a ilegalidade do Termo Circunstancia de Ocorrência (TCO) lavrado pela Polícia Rodoviária Federal. A decisão que pode ser conferida, na íntegra, abaixo, a partir da Constituição da República, afirmou que somente a Polícia Civil teria competência para tanto. Vale a leitura.

Vistos etc.

O Chefe da 1ª Delegacia da 19ª Superintendência Regional da Polícia Rodoviária Federal – Pará, encaminha a esse juízo os documentos de fls. 02/18 através do ofício n.º 045/2014, de 03 de novembro de 2014, cujo teor é o seguinte:

“Encaminhamos a Vossa Excelência o Termo Circunstanciado de Ocorrência nº 1901021408141115, resultante de ações policiais e de fiscalizações realizadas por equipe da Polícia Rodoviária Federal, ao tempo que informamos que os procedimentos estão em conformidade com a forma ajustada no Termo de Convênio n.º 007/2013-PGJ/PA, celebrado entre o Ministério Público do Estado do Pará, através da Procuradoria Geral de Justiça, e esta Superintendência de Polícia Rodoviária Federal/PA.

Outrossim, colocamo-nos à disposição de Vossa Excelência para os esclarecimentos complementares que se fizerem necessários”.

Os documentos anexos ao ofício que os encaminha estão identificados como “Termo Circunstanciado de Ocorrência” e foram elaborados conforme padrão adotado nas delegacias de polícia para os procedimentos desse jaez.

A narração contida no relatório onde se pretendeu descrever a conduta típica é a seguinte, fls. 05:

O autor conduzia a motocicleta Honda/NXR150 BROS ESD, placa XXX-XXXX/PA, na Rodovia BR-316, próximo ao Km 34, no Município de Santa Izabel do Pará, com lotação excedente, pois estava transportando dois passageiros, ambos sem capacete de segurança, e o mesmo, ao avistar a presença da viatura da Polícia Rodoviária Federal que sinalizava mediante sirene e determinava a sua imediata parada, resolveu evadir-se em velocidade incompatível à via, transitando ora elo acostamento, ora pela via local e paralela à rodovia, local que possuía pedestres transitando devido, principalmente, ao horário. O autor, ao acessar uma via vicinal, adentrou a mesma em velocidade incompatível mais uma vez, em uma via sem asfalto e com bastante pedregulhos de pequeno volume, fato que causou um pequeno derrapamento que poderia facilmente derrubar a motocicleta e causar ferimentos aos seus ocupantes. Após sair da rodovia o condutor foi abordado e constatado que não possuía Carteira Nacional de Habilitação e, pela sua conduta de gerar perigo de dano a si, aos passageiros e aos pedestres que transitavam nos locais onde ele transitou em velocidade incompatível, foi lavrado o presente termo.

Assina esse relato o Policial Rodoviário Federal identificado apenas pelo primeiro nome (Vítor XXXX) e número de matrícula (XXXXXX).

Quanto ao condutor do veículo, logo após a identificação, consta o seguinte registro, fls. 04:

DECLARAÇÃO DO AUTOR: APÓS CIÊNCIA DOS SEUS DIREITOS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DE PERMANECER EM SILÊNCIO, O AUTOR DECLAROU: Que estava trabalhando como mototaxista na Rod. BR 316 quando avistou, repentinamente, uma viatura da Polícia Rodoviária Federal. Que se assuntou ao avistar a viatura. Que por estar conduzindo a motocicleta transportando passageiros sem capacete, temeu ser notificado. Que diante disso resolveu empreender fuga. Que após sair da rodovia e ser alcançado pela viatura resolveu parar.

Encontra-se às fls. 06 “TERMO DE COMPROMISSO DE COMPARECIMENTO DO AUTOR DO FATO”, no qual se lê que “XXXXX, Policial Rodoviário Federal, matrícula nº XXXX, com fulcro na Lei 9099/95, faz saber a XXXXXX, CPF n.º XXXXXXXX-XX, que foi lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência nº 1901021408141115 e que por este instrumento assume o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Izabel do Pará / PA (endereço ao final) em dia e hora a serem determinados posteriormente quando da intimação, feita pelo referido juízo na forma da lei, na qualidade de autor dos fatos. Fica ciente que o não comparecimento o sujeitará às medidas previstas na Lei 9099/95, bem como deverá comparecer acompanhado de advogado, sendo que na sua falta ser-lhe-á designado defensor público”.

Por fim, encontram-se entre os documentos encaminhados cópias de seis autos de infração lavrados contra o condutor do veículo e do convênio firmado entre o Ministério Público deste Estado e a Polícia Rodoviária Federal, fls. 08/10 e 11/17.

Entende o subscritor do ofício que ao dirigir em via pública sem habilitação o condutor do veículo incorreu no tipo penal previsto no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro.
RELATEI. DECIDO.

Nos termos do disposto no art. 69, da Lei 9.099/95, “a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima”.

Recebido o termo circunstanciado nos juizados, será realizada audiência preliminar, na qual o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade (arts. 70 e 72).

Tais dispositivos estão a indicar que, recebido na secretaria dos Juizados Especiais Criminais o procedimento investigatório, deverá o juiz examinar os autos, verificando não apenas se é competente, mas também averiguando se há compatibilidade entre o dito procedimento e a Constituição Federal e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Nesse sentido, transcrevo os ensinamentos de Alexandre Morais da Rosa:

“O controle de compatibilidade das leis não se trata de mera faculdade conferida ao julgador singular, mas sim de uma incumbência, considerado o princípio da supremacia da Constituição (http://www.conjur.com.br/2015-jan-02/limite-penal-temas-voce-saber-processo-penal-2015). Cabe ainda frisar que, no exercício de tal controle, deve o julgador tomar como parâmetro superior do juízo de compatibilidade vertical não só a Constituição da República (no que diz respeito, propriamente, ao controle de constitucionalidade difuso), mas também os diversos diplomas internacionais, notadamente no campo dos Direitos Humanos, subscritos pelo Brasil, os quais, por força do que dispõe o art. 5º, §§ 2º e 3º[1], da Constituição da República, moldam o conceito de “bloco de constitucionalidade” (parâmetro superior para o denominado controle de convencionalidade das disposições infraconstitucionais)”. (Artigo publicado no sítio eletrônico Empório do Direito. http://emporiododireito.com.br/desacato-nao-e-crime-diz-juiz-em-controle-de-convencionalidade/ Pesquisa realizada no dia 30/04/2015).

Procedendo ao exame da compatibilidade dos documentos encaminhados a este Juizado pela Superintendência da Polícia Rodoviária Federal, tenho que não é possível equipará-los ao procedimento previsto na Lei 9.099/95 e, consequentemente, realizar qualquer ato que não seja determinar o cancelamento da distribuição.

Efetivamente. Embora o subscritor do ofício tenha nominado os documentos que encaminhou como “Termo Circunstanciado de Ocorrência”, o mesmo não possui competência para presidir essa espécie de procedimento investigatório.

É que a Constituição Federal, no art. 144, § 2º, incumbe a polícia rodoviária federal apenas a realização do patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Nada mais que isso.

O mesmo dispositivo, nos §§ 1º e 4º, conferem à Polícia Federal e à Polícia Civil, a atribuição de apurar infrações penais e de exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária.

Assim, nem lei ordinária, e muito menos convênio, poderá estabelecer competência para quem a Constituição Federal não a conferiu, de sorte que o convênio firmado entre Ministério Público e a Polícia Rodoviária Federal não é hábil a produzir qualquer efeito, especialmente porque o seu cumprimento reduz as garantias aos direitos fundamentais que devem conduzir a investigação criminal e a instrução processual.

Sobre o assunto, transcrevo o entendimento de André Nicolitt:

“Com o advento da Lei 12.830/2013, não há dúvidas que só o Delegado de Polícia poderá lavrar o termo circunstanciado, até porque o juízo sobre a tipicidade e sobre sua natureza de infração de menor potencial ofensivo depende da avaliação da autoridade policial, que nos termos do art. 2.º, § 1.º da referida lei, só pode ser feita pelo delegado de polícia. Note-se que a definição da potencialidade ofensiva pressupõe conhecimento técnico jurídico. Não se trata apenas de um juízo positivo sobre a menor potencialidade ofensiva, mas também um juízo negativo sobre a média ou alta ofensividade, o que só pode ser feito pelo delegado de polícia”. (NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. SP, RT, 2014, p. 526).

Alexis do Couto Brito:

 “A autoridade policial reconhecida pelo Código de Processo Penal é o delegado. Todos os demais são agentes da autoridade. Delegar a função dele prevista na Lei 9099 seria o mesmo que delegar as funções da autoridade judicial para seus agentes”. (Processo Penal Brasileiro. BRITO, Alexis Couto de, FABRETTI, Humberto Barrionuevo e LIMA, Marco Antônio Ferreira. Editora Atlas).

Thiago M. Minagé e Michelle Aguiar:

“Ao tratar do tema Inquérito policial, é preciso entender seu significado e suas peculiaridades, bem como analisar o escopo que lhe foi conferido pela legislação. De forma abrangente, a investigação criminal é conceituada como um conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária, com o objetivo de esclarecer, materialidade delitiva e a respectiva suposta autoria, para então, fornecer elementos ao titular do exercício do direito de ação penal, no caso o MP.

No que tange aos poderes investigatórios, estes foram atribuídos à polícia judiciária, conforme se depreende da leitura do Artigo 144, § 4° da Constituição brasileira de 88”. (artigo publicado no sítio http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/investigacao-feita-pelo-ministerio-publico-necessario-que-cada-um-entenda-o-seu-devido-lugar-por-thiago-m-minage-e-michelle-aguiar/ em 28/04/2015. Pesquisa realizada em 29/04/2015).

E especificamente sobre a possibilidade de que a polícia rodoviária federal lavre os termos circunstanciados de ocorrência previstos na Lei 9.099/95, transcrevo as lições de Rômulo de Andrade Moreira:

“O art. 69 da Lei nº. 9.099/95 utilizou-se da expressão “autoridade policial” como aquela com atribuições para lavrar o Termo Circunstanciado, quando se tratar de infrações penais de menor potencial ofensivo.
Aquela expressão, a nosso ver, restringe-se aos Delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal, dentro de suas atribuições específicas insculpidas nos §§ 4º. E 5º., do art. 144, CF/88.


Mutatis mutandis, a mesma mácula inconstitucional ocorre com a possibilidade de lavratura do Termo Circunstanciado pela Polícia Rodoviária Federal, cuja atribuição é a de patrulhar ostensivamente as rodovias federais (e não de investigar infrações penais), nos termos do art. 144, parágrafo segundo da Constituição Federal, não tendo ela qualquer atribuição investigatória criminal. E a lavratura de um Termo Circunstanciado, tal como a de um Inquérito Policial, é atividade estritamente de natureza investigatória criminal.

Nada obstante, alguns Ministérios Públicos Estaduais, como o da Bahia, por exemplo, assinaram convênios que permitem autonomia à Polícia Rodoviária Federal em lavrar ocorrências de infrações penais de menor potencial ofensivo, sem precisar encaminhar o infrator até a Polícia Civil ou à Polícia Federal.

Trata-se de evidente inconstitucionalidade, pois as atribuições da Polícia Rodoviária Federal estão taxativamente previstas no art. 144, II, c/c parágrafo segundo da Constituição Federal.

Concluindo: Termo Circunstanciado lavrado por um policial rodoviário federal é um procedimento inexistente juridicamente (pois produzido em flagrante inconstitucionalidade), não se prestando para dar justa causa ao Ministério Público, seja para propor a transação penal, seja para oferecer a peça acusatória”. (Pesquisa realizada no sítio eletrônico http://romulomoreira.jusbrasil.com.br/artigos/183091406/a-policia-rodoviaria-federal-pode-lavrar-o-termo-circunstanciado no dia 29/04/2015).

E, numa perfeita síntese de todo o pensamento anteriormente exposto, a lição da Dr.ª Bartira de Miranda Macedo:

“A questão é que a lei, o Código de Processo Penal e a Constituição Federal estabelecem que a autoridade policial é a responsável pela apuração da autoria e materialidade das infrações penais. O Inquérito Policial será presidido pelo Delegado de Polícia e o Termo Circunstanciado de Ocorrência também.  Assim, TCO lavrado por policial rodoviário ofende a Constituição (art.  144, §§ 2º e 4º).

O artigo 144 também estabelece as atribuições da polícia rodoviária federal. Se esta pratica atos que vão além desses limites estará usurpando funções constitucionais da polícia civil e polícia federal.

Portanto, por não resguardar a forma prescrita em lei, o TCO lavrado pela polícia rodoviária federal é inexistente”.

“Não podemos confundir formalismo despido de significado com significados revestidos de forma” (SCHIMIDT, Ana Sofia. “Resolução 05/02: Interrogatório on-line”. In: boletim do IBCrim, n. 120, novembro/2002), pensamento que se completa com as seguintes palavras do professor Antônio Graim Neto: “e no processo penal em conformidade constitucional, forma é garantia e é função do juiz ser o protetor das garantias constitucionais do acusado”.

Posto isso, por considerar incompatível com a Constituição Federal o Termo Circunstanciado de Ocorrência que não tenha sido lavrado pelas polícias civil e federal, cada uma dentro dos limites que lhe foram conferidos pelo art. 144, §§ 1º e 4º, reconheço como INEXISTENTE A COMUNICAÇÃO TRAZIDA A ESTE JUIZADO ATRAVÉS DO OFÍCIO 045/2014, fls. 02 e determino o cancelamento da distribuição.

Deem-se ciência ao Sr. XXXX XXXXXXX XXXXX e ao Ministério Público.

Publique-se. Registre-se. Cumpram-se.

Santa Izabel do Pará, 04 de maio de 2015.

Andrea Ferreira Bispo
Juíza de Direito
Titular do JECCRIM
Portaria TJPA 028/2015-SJ