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Criminalidade organizada - Lei de Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13)

A nova Lei de Organização Criminosa trouxe inovações em comparação ao contexto jurídico anterior, passando detalhar os conceitos dos instrumentos investigatórios e seus procedimentos.

 

 

Resumo: Este trabalho acadêmico tem por objetivo o estudo da Lei n. 12.850/13, a qual versa sobre organizações criminosas no Brasil, meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e procedimento criminal a ser observado nesse âmbito, bem como observar críticas atuais encontradas na doutrina, visto a recente sanção da lei (02.08.2013), e promover conexões lógicas entre os vários artigos, inclusive pertencentes à legislação anterior e outras leis. A partir da abordagem sistemática dos elementos da Lei n. 12.850/13 observou-se que esta trouxe para o ordenamento jurídico conceitos, limites e esclarecimentos acerca das possibilidades de ação do Poder Público em combate ao crime organizado no país.

 

Palavras-chaves: Crime Organizado. Organizações Criminosas. Lei. Segurança Pública. Doutrina.

 

Sumário: Introdução. 1. Contextualização jurídica. 1.1. Lei n. 9.034/95. 1.2. Tratado de Palermo. 1.3. Lei n. 12.694/12. 1.4. Lei n. 12.850/13. 2. Análise do conteúdo da Lei n. 12.850/13. 2.1. Da Colaboração Premiada. 2.2. Da Ação Controlada. 2.3. Da Infiltração de Agentes. 2.4. Do acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações. 2.5. Dos crimes ocorridos na investigação e na obtenção de prova. Conclusão.

 

Abstract: This academic work aimed the study of the Law no. 12.850/13, which deals with criminal organizations in Brazil, means of obtaining evidence, related criminal offenses and criminal proceedings observed in this context, as well as observing current critical comments found in literature, as the recent sanction of the law (08.02.2013), and promote logical connections between the various articles, including the ones belonging to the previous legislation and other laws. From the systematic approach of the elements of the Law no. 12.850/13 it was noticed that this brought to the juridical system concepts, limits and clarifications about the possibilities of action of the government in fighting organized crime in the country.

 

Keywords: Organized crime. Criminal organizations. Law. Public safety. Doctrine.

 

INTRODUÇÃO

 

Este estudo sobre a Lei n. 12.850/13, a qual versa sobre organizações criminosas no Brasil, se propõe a construir uma análise sistemática desta, tendo em vista que a sua sanção implica diretamente em novidades conceituais de caráter mais prático voltado à ação dos Poderes do Estado em defesa da segurança pública.

 

Ao observar críticas recentes encontradas na doutrina e promover conexões lógicas entre os vários artigos, inclusive pertencentes à legislação anterior, percebeu-se que o novo texto legal é de suma importância para a ação investigatória e também processual, onde se encaixa o trabalho de agentes policiais e do Ministério Público.

 

Primeiramente, far-se-á uma breve contextualização jurídica da legislação nacional que tinha esse tema como foco principal. Em seguida, fundamentando os comentários, observar-se-á como a nova lei de organizações criminosas está estruturada.

 

Busca-se, com o conteúdo deste trabalho, permitir a análise crítica da recente legislação e, assim, avistar quais os caminhos que poderão ser trilhados pelo trabalho dos agentes do Estado em prol da segurança pública.


1. CONTEXTAUALIZAÇÃO JURÍDICA


1.1. LEI N. 9.034/95

 

No Brasil a primeira lei a tratar do assunto foi a Lei n. 9.034/95, uma novidade legislativa para a época. Essa lei definiu e regulou basicamente os meios de prova e procedimentos investigatórios que envolvessem ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. Colou-se lado a lado o crime de quadrilha ou bando e, inserido dentro do contexto organizações criminosas, estava inserida a associação para o tráfico.

 

A primeira lei brasileira sobre organizações criminosas possuía caráter eminentemente processual. Nela havia referência à utilização da ação controlada, da infiltração policial, da colaboração premiada, entre outros dispositivos que dispunham sobre procedimentos.

 

Contudo não permitiu nitidez acerca de quem poderia ser infiltrado, quais limites do agente infiltrado, quais os direitos a ele pertencentes, além do mais trouxe banalização do termo delação premiada, também por não definir os moldes que ocorreria. Ou seja, como uma das falhas da Lei n. 9.034/95 tem-se a falta de clareza e baixa dissertação legislativa a respeito dos instrumentos extraordinários de investigação.

 

Outro ponto negativo era a contradição presente na parte da lei que dispunha sobre procedimentos de execução da pena. Com relação a esse fato, no livro de José Geraldo da Silva, Wilson Lavorenti e Fabiano Genofre (2005) tem-se a seguinte crítica:

 

“O preceito prescreve que o início do cumprimento da pena será no regime fechado, todavia não impede a progressão de pena. Novo embate com a Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) deixa evidenciado que a pena por crime previsto nesta lei será cumprida integralmente em regime fechado. Por mais uma vez, chegamos ao contra-senso de termos uma situação em que o agente pratica um crime hediondo, decorrente da organização criminosa, e pode ser beneficiado pela progressão de pena, ao passo que o infrator que pratica um crime hediondo, sem nenhum vínculo com organização criminosa, deverá cumprir a pena integralmente em regime fechado”. (SILVA, José Geraldo. p.221-222, 2005)

 

Ainda com relação aos aspectos negativos da lei, percebeu-se a ausência de uma definição para “organizações criminosas”, termo que é referência durante todo o texto legal, porém que não se encontrava formalmente definido. Dessa maneira cabia à doutrina buscar uma definição aceitável para o termo. Estava-se diante uma lacuna no direito penal, a necessidade de se estabelecer um significado a expressão “organizações criminosas”.

 

1.2. TRATADO DE PALERMO

 

Na tentativa de eliminar a lacuna jurídica existente, utilizou-se a definição da referida expressão existente na Convenção de Palermo.

 

De acordo com lições de Fernando Capez (2011):

 

“Toda a discussão acima exposta tende, no entanto, a ficar superada. A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, realizada em Palermo, na Itália, em 15 de dezembro de 2000, definiu, em seu art. 2º, o conceito de organização criminosa como todo ´grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou moral´. Tal convenção foi ratificada pelo Decreto Legislativo n. 231, publicado em 30 de maio de 2003, no Diário Oficial da União, n. 103, p. 6, segunda coluna, passando a integrar nosso ordenamento jurídico”. (CAPEZ, Fernando. p.240, 2011)

 

Todavia, segundo a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal é que tratados internacionais, como a Convenção de Palermo, que não versem matéria concernente aos direitos humanos, estão subordinados aos parâmetros da Constituição da República. Logo, admitiu-se a inconstitucionalidade da utilização dessa Convenção como suporte ao art. 7º da Lei n. 9.034/95 por contrariar princípios constitucionais (legalidade, proporcionalidade, razoabilidade).

 

De início já pode ser feita referência ao art. 22, I, da Constituição Federal no qual se tem como competência exclusiva da União a legislação sobre direito penal. Mas, em resumo, Luiz Flávio Gomes explicita os motivos de a tese não ter sido aceita:

 

“Por vários motivos a tese não foi aceita: (a) porque só se pode criar crime e pena por meio de uma lei formal (aprovada pelo Parlamento, consoante o procedimento legislativo constitucional); (b) o decreto viola a garantia da “lex populi”, ou seja, lei aprovada pelo parlamento (decreto não é lei); (c) quando o Congresso aprova um Tratado ele o ratifica, porém, ratificar não é aprovar uma lei; (d) mesmo que o tratado tivesse validade para o efeito de criar no Brasil o crime organizado, mesmo assim, ele não contempla nenhum  tipo de pena (argumento do ministro Marco Aurélio) e, sem pena, não existe crime; (e) o tratado foi feito para o crime organizado transnacional, logo, só poderia ser aplicado para crimes internos por meio de analogia, contra o réu, que é proibida”. (GOMES, Luiz Flávio. 2013)

 

No voto-vista relativo ao caso do HC 97.006, a ministra Carmem Lúcia vê a aplicação da Convenção de Palermo como intolerável tentativa de substituir o legislador, uma vez que o delito não consta na legislação brasileira.

 

Rogério Greco (2011) ressalta a supremacia da Constituição quando se trata de legislação sobre direito penal:

 

“Quando nossa Carta Maior diz competir privativamente à União legislar sobre Direito Penal, quer dizer que somente com a conjugação da vontade do povo, representado pelos seus deputados, com a vontade dos Estados, representados pelos senadores, e, ainda, com a sanção do Presidente da República, é que se pode inovar em matéria penal, criando ou revogando, total ou parcialmente, as leis penais”. (GRECO, Rogério. p.14, 2011)

 

Dessa forma, a lacuna jurídica ainda continuou existente por falta de uma definição do que a lei entenderia por organizações criminosas.

 

1.3. LEI N. 12.694/12

 

Apenas 17 anos depois da primeira lei que tratava de organizações criminosas, que o legislador trouxe para o sistema jurídico brasileiro um significado legal ao termo.

 

Foi com a Lei n. 12.694/12 que a expressão “organização criminosa” adquiriu um conceito efetivo e adotaram-se requisitos para caracterizar essas organizações.

 

“Art. 2º- Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”. (Lei n. 12.684/12)

 

O conceito trazido por essa lei não é distante de conceitos já utilizados pelos estudiosos da área. Utiliza núcleos como “estruturalmente organizada”, divisão de tarefas”, “vantagem de qualquer natureza”, tudo isso com ênfase na prática de crimes.

 

“Conjunto formalizado e hierarquizado de indivíduos integrados para garantir a cooperação e a coordenação dos membros para a perseguição de determinados escopos, ou seja, como uma entidade estruturada dotada de ideais explícitos, de uma estrutura formalizada e de um conjunto de regras concebidas para modelarem o comportamento em vista da realização daqueles objetivos”. (BECHI, Alda. p.42, 2000 apud MENDRONI, Marcelo Batlouni. p. 9, 2009)

 

É semelhante ao conceito também dado pela Convenção de Palermo, mas a definição brasileira delimitou bem o seu campo de incidência, passando a exigir pena mínima para sua caracterização relativa a crimes nacionais. Além disso, sem a necessidade de formalização, o simples fato de funcionar como tal já poderia ser motivo de admitir um determinado grupo como organização criminosa.

 

Visto que não havia pena, apenas consequências, o termo “organizações criminosas” era tido simplesmente como uma forma de praticar o crime.

 

Outra novidade trazida pela Lei n. 12.684/12 foi a possibilidade de o juiz instaurar um órgão colegiado para o julgamento, demonstrando que a atividade judicial naquele momento poderia trazer risco a sua integridade física (art. 1º, § 1º, Lei n. 12.684/12).

 

1.4. LEI N. 12.850/13

 

No ano seguinte à primeira lei que definia do significado da expressão “organizações criminosas”, sancionou-se a Lei n. 12.850/13, no dia 2 de agosto de 2013.

 

Essa lei de início já expressou um novo conceito de organização criminosa, considerando organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela presença de divisão de tarefas entre elas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, qualquer vantagem, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional, de acordo com o parágrafo primeiro do art. 1º da Lei n. 12.850/13.

 

No seu art. 26, ela revogou expressamente a Lei n. 9.034/95, pois previu e detalhou os instrumentos que seriam utilizados na investigação, fato que a permitiu ultrapassar o texto legal do antigo diploma.

 

Com relação à Lei n. 12.684/12, a doutrina está dividida em duas correntes: de um lado os que defendem que a lei de 2012 continua totalmente válida no sistema jurídico, do outro os que admitem a revogação tácita parcial.

 

Seguindo a primeira corrente tem-se Luiz Flávio Gomes (2013):

 

“O conceito de organização criminosa dado pela Lei 12.694/12 continua válida para os efeitos desta lei. Temos, agora, dois conceitos de organização criminosa: um válido para a Lei 12.694/12 (fins processuais) e outro válido para os demais efeitos processuais e penais. O art. 26 da nova lei só revogou expressamente a Lei 9.034/95. Logo, continuam válidas as duas leis que cuidam da organização criminosa: uma é específica (12.694) enquanto a outra é genérica (12.850/13)”. (GOMES, Luiz Flávio. 2013)

 

Entretanto, na segunda posição doutrinária tem-se Cezar Roberto Bitencourt (2013):

 

“No entanto, na nossa ótica, admitir-se a existência de ´dois tipos de organização criminosa´ constituiria grave ameaça à segurança jurídica, além de uma discriminação injustificada, propiciando tratamento diferenciado incompatível com um Estado Democrático de Direito, na persecução dos casos que envolvam organizações criminosas. Levando em consideração, por outro lado, o disposto no § 1º do art. 2º da Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942), lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Nesses termos, pode-se afirmar, com absoluta segurança, que o § 1º do art. 1º da Lei 12.850/2013 revogou, a partir de sua vigência, o art. 2º da Lei 12.694/2012, na medida em que regula inteiramente, e sem ressalvas, o conceito de organização criminosa, ao passo que a lei anterior, o definia tão somente para os seus efeitos, ou seja, ´para os efeitos desta lei´. Ademais, a lei posterior disciplina o instituto organização criminosa, de forma mais abrangente, completa e para todos os efeitos. Assim, o procedimento estabelecido previsto na Lei 12.694/12, contrariando o entendimento respeitável de Rômulo Moreira, com todas as venias, deverá levar em consideração a definição de organização criminosa estabelecida na Lei 12.850/13, a qual, como lei posterior, e, redefinindo, completa e integralmente, a concepção de organização criminosa, revoga tacitamente a definição anterior”. (BITENCOURT, Cezar Roberto. 2013)

 

No mesmo sentido, Eugenio Pacelli (2013) confirma que “embora a Lei 12.850/13 não se refira à eventual revogação parcial da Lei n. 12.694/12, precisamente no que respeita à definição de organização criminosa, pensamos não ser mais possível aceitar a superposição de conceitos em tema de tamanha magnitude”. Ainda segundo Pacelli, caso não fosse admitida a derrogação da Lei n. 12.694/12, o Direito Penal conviveria com um conceito quando o magistrado quisesse formar um órgão colegiado e com outro aplicável às demais situações que envolvessem organizações criminosas.

 

A distinção do conceito atual é o número mínimo de pessoas integrantes da organização e o mínimo penal deve ser maior que 4 anos quando a infração penal for nacional, este termo “infração penal” expande para atividades consideradas contravenções penais, não apenas a prática de crimes como previsto na legislação do ano anterior.

 

Assim, percebe-se que é admissível a posição de que o art. 2º da Lei n. 12.684/12 foi tacitamente revogado, havendo a possibilidade ainda de o juiz, conforme esta lei, instaurar órgão colegiado para o julgamento.

 

Além de inovações no conceito de organizações criminosas, a Lei n. 12.850/13 previu a organização criminosa como tipo penal, agora há a possibilidade de os sujeitos serem condenados pela prática de crime organizado sem prejuízo as demais infrações cometidas.

 

No crime de organização criminosa há incidência de qualificadoras quando houver emprego de arma de fogo, participação de criança ou adolescente, funcionário público, houver relação com outra organização criminosa, o produto do crime for destinado à exportação e, por fim, se houver caráter transnacional da organização.

 

No aspecto “participação de menor ou adolescente” e “funcionário público” pode-se questionar se esses indivíduos deverão participar do crime organização criminosa ou das infrações penais por ela cometidas para configurar a qualificadora. Estando os incisos inseridos no art. 2º, § 4º, pode-se entender que essas qualificadoras são, devido à técnica legislativa, relativas ao crime de organização criminosa, afinal, se um desses indivíduos for usado por essa organização, a partir do momento em que colaborou com o escopo dela, estaria integrando a organização, ainda que na figura de pessoa interposta, conforme caput do art. 2º, ainda que depois sejam livrados da respectiva medida punitiva por conta de uma possível coação (art. 22, CP).

 

2. ANÁLISE DO CONTEÚDO DA LEI N. 12.850/13

 

Depois de conceituar e definir como crime a organização criminosa, a referida lei detalhou os seus aspectos de incidência nos dispositivos seguintes, reservando seções inteiras para dispor sobre os instrumentos investigatórios e outros aspectos decorrentes.

 

2.1. DA COLABORAÇÃO PREMIADA

 

O juiz, a requerimento das partes e na observância dos requisitos legais, poderá conceder perdão judicial, redução de pena ou substituição por pena restritiva de direitos se o réu colaborador contribuir efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal (art. 4º da Lei de Organização Criminosa).

 

Esse dispositivo está no mesmo diapasão da Lei n. 9.807/99 (Lei de proteção a vítimas, testemunhas e réus colaboradores), no que diz respeito aos requisitos para a concessão do benefício, levando-se em conta, em qualquer caso, a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. Além disso, os direitos do colaborador também foram configurados conforme essa lei.

 

Como resultado da eficácia da colaboração espera-se um ou mais dos listados nos incisos do art. 4º, são eles: a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Esses são os requisitos para a colaboração ser considerada útil e eficaz do ponto de vista da investigação e do processo.

 

Vale ressaltar que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento exclusivamente nas declarações prestadas pelo réu colaborador, conforme disposto no art. 4º, § 16, da referida lei.

 

Com relação ao direito ao silêncio garantido constitucionalmente tem-se que as declarações do colaborador não configuram renúncia a esse direito, de acordo com Eugenio Pacelli (2013), as declarações são necessárias e dadas a parti de ação voluntária, fatos que afastam a hipótese de renúncia ao direito, afinal ao réu colaborador pressupõe-se um tratamento de forma de testemunha fossem suas informações prestadas.

 

2.2. DA AÇÃO CONTROLADA

 

A ação controlada está prevista no art. 8º da Lei n. 12.850/13, mas também está prevista em outros diplomas legais como na Lei n. 11.343/06 (Lei de Drogas), Lei n. 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro).

 

Diferentemente dos diplomas citados, a nova Lei de Organizações Criminosas traz como inovação a não necessidade de autorização judicial para que o agente policial competente aja de forma controlada na formação de um flagrante retardado. No § 1º do art. 8º, tem-se que "o retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público”, ou seja, a autoridade policial deverá claramente informar ao magistrado a sua ação controlada, contudo não depende de autorização, o juiz apenas poderá definir limites ouvindo o Ministério Público. Enquanto na figura do agente infiltrado e da colaboração premiada faz-se necessária a autorização judicial.

 

O principal objetivo de um flagrante retardado é a obtenção de informações concretas que não seriam possíveis de obtê-las por outra forma, assim no momento oportuno o agente pode definir que essa seja uma possibilidade de findar de uma melhor forma a investigação.

 

Outra novidade é a abertura de ação controlada para agentes administrativos, estes podem, assim como agentes policiais, agir de maneira a acumular mais informações e consolidar linhas investigatórias, definindo o melhor momento para a intervenção. Exemplos de agentes administrativos são membros de corregedorias, agentes da Receita Federal.

 

Contudo, Pacelli (2013), ao referir-se à ação controlada, enxerga a possibilidade de apenas os agentes da polícia praticarem ações desse tipo como melhor aplicação para o disposto no art. 8º.

 

“No entanto, pensamos que a norma contida no art. 8º da Lei 12.850/13 destina-se ou deve destinar-se exclusivamente à autoridade policial, única apta e devidamente estruturada para a investigação das organizações criminosas, consoante, aliás, de atesta pela interpretação mais sistemática da lei objeto dessas considerações. A expressão ´intervenção administrativa´ contida no mencionado dispositivo legal, art. 8º, parece-nos mais um excesso legislativo que qualquer outra coisa.”. (PACELLI, Eugenio. 2013)

 

Entretanto, seguindo o texto legal, pode-se observar a inegável relevância de corregedores, fiscais da Receita Federal e Estadual, integrantes dos Tribunais de Conta que não raras vezes poderiam obter mais sucesso em suas investigações.

 

2.3. DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES


Relacionado à seção III, do capítulo II, da referida lei, há a figura do agente infiltrado, personagem de relevância quando se trata de investigação de crime organizado.

 

Rogério Sanches (2013) explica que o chamado “Estado Paralelo” formado por organizações criminosas não existe, porque o que há na verdade são linhas cruzadas entre o funcionamento da estrutura da organização criminosa e do Estado. A realidade é que a figura do agente infiltrado existe em ambas as partes, personagens de organizações no Estado e vice-versa.

 

Contudo a Lei n. 12.850/13, ao trazer disposições sobre o agente infiltrado, limita esse termo ao agente do Estado, especificamente o agente de polícia, o qual necessariamente terá que possuir autorização judicial para executar o serviço durante o processo investigatório.

 

A nova lei define a forma do procedimento, os direitos e os limites da ação do agente infiltrado.

 

O procedimento será via representação pelo delegado de polícia ou pelo Ministério Público, com a autorização judicial. A infiltração é um instrumento investigatório subsidiário, porque somente será utilizada se a prova da prática do crime de organização criminosa não puder ser produzida por outros meios.

 

Tendo em vista o alto risco, a intensa pressão psicológica a que se submeterá para enviar relatórios da ação de infiltração, o sujeito possibilitado de infiltra-se numa organização criminosa pode o recusar ou fazer cessar a sua infiltração (o Ministério Público e o delegado também podem interromper a ação do agente), esse mesmo tem direito a salvaguardar sua identidade durante a investigação e o processo criminal, além disso, a mídia necessita de autorização expressa dele para revelar sua identidade. O agente infiltrado pode também, no que couber, ser beneficiado pelo art. 9º da Lei n. 9.807/99. Direitos esses previstos no art. 14 da nova Lei de Organização Criminosa, que na legislação anterior não estavam detalhados.

 

Com relação ao limite de ação desse agente, ressalta-se o que é previsto no art. 13: “O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados”. Continuando no parágrafo único estipula-se a não punibilidade, quando houver inexigibilidade de conduta adversa no momento da infiltração.

 

Porém existe na doutrina pensamentos diferentes do texto da lei, a exemplo a posição de Cabette (2013) que afirma que a excludente de culpabilidade prevista na lei é um instituto sem razoabilidade e proporcionalidade, por entender ser “impossível regular com precisão os limites da atuação do agente infiltrado”.

 

E para defender seu posicionamento, o autor utiliza a teoria da “exemplaridade pública” de Javier Gomá, no qual há intrínseco ao comportamento do agente público um “imperativo de exemplaridade”, esse agente estaria obrigado dessa maneira a agir sempre com honestidade e decoro, sendo exemplo de cidadão. Além disso, o mesmo autor traz como referência Zaffaroni e Batista:

 

“O mínimo que se pode entender é que a dicção legal é inadequada e deve ser objeto de uma releitura doutrinária. Na verdade as condutas aparentemente criminosas perpetradas pelo agente infiltrado, dentro de uma proporcionalidade e, portanto, permitidas e até mesmo incentivadas pela legislação respectiva, configuram aquilo que Zaffaroni e Batista denominam de ´atipicidade conglobante´, a afastar, desde logo a tipicidade da conduta e não a reconhecer mera excludente da culpabilidade. Do contrário, a paga social do agente infiltrado pelo arriscar da própria vida, seria sua insegurança perpétua e, para além disso, seu reconhecimento pelo Estado como um criminoso que somente não seria punível! Simbólica e moralmente isso é um reconhecimento mais do que claro de que o instituto é uma aberração”. (CABETTE, Eduardo Luiz Santos. 2013)

 

Essa posição acerca do comportamento do agente infiltrado é de ao invés de afastar a sua culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa, utilizar-se da exclusão de tipicidade como solução para o conflito dos limites da ação dele, por entender que a tipicidade conglobante (antinormatividade) não está presente na conduta para a possibilidade de inserir a conduta do agente em algum tipo penal, seja homicídio, estupro, estelionato, entre outros. Segundo Greco (2013, v. I, p. 157), “a tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, isto é, contrária a norma penal, e não imposta ou fomentada por ela”.

 

Entretanto, data venia, percebe-se que essa posição não está isenta de incoerências ao quadro de investigação do crime organizado que terminariam na isenção de pena dos sujeitos integrantes da organização criminosa. Observa-se, por exemplo, que num caso concreto um desses sujeitos mandasse o agente infiltrado cometer uma infração penal qualquer, se na conduta do agente há uma exclusão de tipicidade, o seu mentor também estaria isento de quaisquer punições pelo crime praticado por ele. Outras justificativas, que não estejam contextualizadas na inexigibilidade de conduta diversa, conforme a Lei de Organização Criminosa, teriam por consequência a impossibilidade de atingir os integrantes da organização em casos como o exemplo citado.

 

2.4. DO ACESSO A REGISTROS, DADOS CADASTRAIS, DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES

 

Na leitura do art. 3º já se conclui que a Lei. N. 12.850/13 deixou para a legislação específica a regulamentação de interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, inclusive o afastamentos dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, sendo que os demais instrumentos investigatórios previstos serão regulados pela própria lei sem prejuízo à legislação existente.

 

Seguindo a Lei n. 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), a nova Lei de Organização Criminosa prevê a dispensabilidade de autorização judicial para que o Ministério Público e o delegado de polícia tenham acesso a dados cadastrais do investigado que refiram-se exclusivamente a sua qualificação pessoal, filiação e endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

 

Questiona-se nesse ponto o limite da invasão da órbita da privacidade e intimidade do sujeito investigado, há duas possibilidades: uma é preservar a esfera íntima da pessoa, outra é utilizar instrumentos que tem suporte legal para a investigação. Eugenio Pacelli (2013) critica a nova lei por deixar uma abertura para a transgressão do direito constitucional mencionado.

 

“A questão que se põe aqui diz respeito ao nível de tangenciamento da privacidade e da intimidade que estaria contido na nova regra de investigação, na medida em que, apesar de se limitar à informação relativa aos dados pessoais (filiação, qualificação e endereço), o fato é que os órgãos de investigação teriam acesso, desde logo, às informações também de ordem econômico-financeiro, que resultaria do esclarecimento quanto à portabilidade de cartões de crédito e de telefonia, bem como da existência de contas bancárias e/ou aplicações financeiras. E isso, naturalmente, ostenta uma dimensão que vai além da simples informação a respeito de dados pessoais”. (PACELLI, Eugenio. 2013)

 

José Afonso da Silva (2010) já ressaltou que apesar de a tutela constitucional visar proteger o segredo da vida privada, há ameaças e atentados provocados por investigações e divulgações ilegítimas de informações que estariam, em tese, protegidas.

 

O que ocorre é que há a possibilidade de essas invasões da esfera privada serem indispensáveis para o curso da investigação e, de acordo com a nova Lei de Organização Criminosa, independe de autorização judicial para o acesso às informações relativas à pessoa do investigado. E para que haja esse acesso é indispensável que exista de regular procedimento investigatório, possibilitando a legitimação das medidas previstas na Lei n. 12.850/13 (PACELLI, 2013).

 

2.5. DOS CRIMES OCORRIDOS NA INVESTIGAÇÃO E NA OBTENÇÃO DE PROVA

 

Nessa seção, cabe ressaltar de início o conteúdo disposto no art. 18: “Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito”. Há uma preocupação do legislador em preservar o nome, a qualificação, a imagem e as demais informações pessoais do réu colaborador, conforme os direitos deste no art. 5º da mesma lei.

 

É certo que a preservação do réu colaborador é relevante para o momento investigatório e do processo criminal, tendo em vista a preocupação com a eficácia das informações obtidas através da colaboração. Contudo se percebe que no art. 18 houve a ausência de proteção do mesmo direito do agente infiltrado. No art. 14, III, está prevista a preservação da identidade do agente nos mesmos aspectos do colaborador, mas o legislador não incriminou a conduta de exposição dessa identidade, fato que pode tornar o agente vulnerável e, consequentemente, a investigação policial.

 

Como contra-argumento pode-se entender que o legislador buscou proteger a figura do agente infiltrado no art. 20, porém essa “determinação de sigilo” remete a uma prévia decisão judicial (art. 23), ou seja, se o juiz não definir o sigilo, o agente estaria vulnerável.

 

No art. 19 está refletida a posição de que no momento em que o sujeito assume papel de colaborador, deve colaborar efetivamente e de forma a preservar a veridicidade das suas informações prestadas, caso contrário sua conduta estará sendo inserida no caput do art. 19 ao imputar falsamente, no momento de colaboração, prática de infração penal que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe que não correspondem com a realidade. Pois, dessa maneira, pode-se entender que o sujeito estaria embaraçando investigação de infração penal que envolvesse organização criminosa.

 

Nesse mesmo sentido, de embaraço ou impedimento de investigação policial ou processo criminal, o art. 21 tipifica a conduta de “recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia”, incluindo quem “de forma indevida, se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais” de interesse das investigações e do processo.

 

CONCLUSÃO

 

É visível que a nova Lei de Organização Criminosa trouxe inovações em comparação ao contexto jurídico anterior, passando a haver detalhamento dos conceitos dos instrumentos investigatórios e seus procedimentos.

 

Aliado a essa nova postura jurídica quanto ao crime organizado, há de um lado uma resposta a doutrina que, desde a Lei n. 9034/95 e até a de n. 12.694/12 que expressava a ausência de norma jurídica específica para definir limites, modos e procedimentos afins para que se pudesse enxergar com clareza o âmbito de abrangência legal, do outro se pode observar que as divergências doutrinárias estão situadas na órbita da hermenêutica e aplicação do texto normativo.

 

O crime organizado influencia no bem-estar social, a segurança das relações públicas e privadas, daí se reitera a relevância de proteger esses interesses, propiciando um diploma normativo que servirá de suporte para procedimentos investigatórios tanto da polícia quanto do Ministério Público, além de fundamento legal para processos que envolvam organizações criminosas.

 

Com base no exposto acima, este breve estudo sobre Lei n. 12.850/13 sobre o novo tipo penal de organização criminosa e procedimentos decorrentes de investigações acerca esse tema, a partir do que já está exposto pela doutrina e do que já se entendia no âmbito do crime organizado, buscou-se a análise crítica do meio jurídico que servirá como norteador do trabalho dos agentes do Estado em prol da segurança pública.

 

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Fonte: JUS Navigandi