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Filho feio é órfão!

Será que nunca faremos, senão confirmar, a incompetência da América católica. Que sempre precisará de ridículos tiranos.

Será, será, que será? Será que esta minha estúpida retórica terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos... (Podres Poderes, Caetano Veloso.)

 

 

Transferências de responsabilidade de si para os outros são comuns, em uma verdadeira terceirização da culpa por nossos próprios fracassos. Auto complacentes utilizam-se de qualquer ser, animado ou inanimado, ou mesmo o acaso, sempre concretizando a frase de Sartre: “o inferno são os outros!”

 

Infelizmente, esta parece ser a linha que resolveu trilhar o governo do Rio Grande do Norte em relação a dois dos seus filhos mais feios, a insegurança pública de nossos dias e o perpetuado caos das contas públicas do Estado, cujas paternidades pretende ver delegadas para outrem.

 

De há muito, divorciaram-se a capacidade do Estado de gerar receitas e a de atender às obrigações que lhe são inerentes, em flagrante definhamento da gestão da máquina administrativa, com efeitos sentidos por servidores públicos, fornecedores e toda a população potiguar.

 

No campo da segurança pública, basta analisar a galopante taxa de homicídios no RN e o sucateamento das delegacias de polícia – além de mazelas como a falta de combustível das viaturas -, para saltar aos olhos de todos a ineficiência da política até aqui adotada. Também, tem-se nítida a prioridade do interesse público, sob pena de o problema tornar-se impossível de ser debelado, após anos se alimentando de omissão em omissão.

 

Mesmo assim, o RN optou por não cumprir as obrigações assumidas com o programa “Brasil mais seguro”, sobretudo no que diz respeito à nomeação de candidatos aprovados nos concursos da polícia civil e a criação de uma Divisão de Homicídios, cujo prazo inicial - até meados de 2013 - e o prazo repactuado – até dezembro de 2013 – foram solenemente descumpridos, enquanto o governo privilegiava a nomeação de cargos em comissão – só em setembro de 2013, foram 70 nomeações para servidores não concursados.

 

Para tanto, valeu-se da desculpa de que estava acima do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, como se as vedações da lei só valessem para servidores democraticamente selecionados por concurso público, e não para os cargos comissionados escolhidos de acordo com a conveniência política. Ou ainda, como se não fosse sua obrigação gerar o teto financeiro necessário para fazer as nomeações prioritárias, com os cortes necessários para se manter abaixo do limite prudencial da LRF.

 

Porém, como quem semeia vento, colhe tempestade, esta esdrúxula opção não poderia passar incólume, e o fruto disso é que o Estado está ameaçado de perder mais de R$ 40 milhões em recursos federais para enfrentar o sucateamento da nossa segurança pública e evitar tantas vidas ceifadas pela violência.

 

Ou seja, devolveremos recursos que não temos como repor, que seriam indispensáveis para conter a violência que já não mais controlamos com nossas forças, em face da incapacidade de cumprir com obrigações assumidas e deveres legais.

 

Mas eis que surge a grande ideia – típico reflexo da máxima “o inferno são os outros” -, já que não conseguimos cumprir com nossas obrigações com a atual regra do jogo, mudemos, então, a regra.

 

Assim, ao invés de cortar gastos com pessoal para compatibilizar despesas e receitas, o governo do RN preferiu imputar seu inferno à Lei de Responsabilidade Fiscal, cristalizada em uma consulta ao Tribunal de Contas do Estado, onde se propõe que a Corte mude sua jurisprudência – embora tenha rechaçado pretensão idêntica há menos de quatro anos - e escreva palavras na lei que o legislador não quis escrever.

 

Prevalecente a tese que valida o gol com a mão, percorremos veredas com destinos imprevisíveis, mas que certamente não nos aproximarão do equilíbrio nas contas públicas, cuja bola de neve estourará mais dia, menos dia, novamente na segurança pública ou em outra área prioritária. Até lá, outro já terá sido escolhido para expiar as consequências de nossas omissões.

 

 

 

Por Luciano Ramos - procurador-geral do Ministério Público de Contas do RN

Fonte: Tribuna do Norte